O torcedor terá pouco espaço esta noite para se acomodar nas cadeiras do novo Estádio Bezerrão, no Gama, cidade do Distrito Federal, para acompanhar o duelo entre as seleções do Brasil, de Kaká, e de Portugal, de Cristiano Ronaldo, dois dos principais astros do futebol mundial.
Além do elevado preço do ingresso, vendido a partir de R$ 180, a torcida enfrenta outra adversidade. A farta distribuição de convites para parlamentares e demais autoridades dos governos federal e local reúne, mais uma vez, política e futebol no mesmo campo.
A expectativa é que 12 mil pessoas paguem ingresso e outras 8 mil sejam convidadas. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) diz que o assunto não é com ela. A assessoria do Governo do Distrito Federal (GDF) diz que rateará 4.500 entradas grátis com a confederação e os patrocinadores.
Apesar de não terem realizado nenhuma atividade durante este ano, integrantes da Subcomissão para Acompanhar os Preparativos da Copa do Mundo de 2014, criada dentro da Comissão de Turismo e Desporto da Câmara, vão assistir de camarote à partida, a convite do ministro dos Esportes, Orlando Silva.
A Comissão de Turismo e Desporto (CTD), composta por 38 parlamentares titulares e suplentes, já solicitou à CBF convites para todos os seus membros. Mas foi informada pela confederação de que, para serem agraciados, os deputados deveriam fazer pedidos individualmente.
O diretor de Assuntos Legislativos da entidade em Brasília pede calma aos congressistas. “Claro que serão contemplados os deputados federais. Alguns estão sendo atendidos”, diz Vandenberg Machado.
O presidente da Subcomissão da Copa de 2014, Marcelo Teixeira (PR-CE), recebeu o convite do ministro do Esporte na semana passada. “Nossa intenção é ir”, garante. Ele não quis dizer a quantos políticos Orlando Silva ofereceu a cortesia. “Poucas pessoas”, despista. Ao todo, oito deputados da Comissão de Turismo e Desporto participaram do encontro com o ministro. No gabinete de Marcelo, os funcionários procuravam entradas para os filhos.
Sem trabalho
A Subcomissão presidida pelo cearense foi instalada em 4 de junho deste ano, mas até agora não se reuniu. “Não há interesse”, critica Sílvio Torres (PSDB-SP), autor do requerimento de criação do grupo e titular do colegiado e relator da CPI da Nike na Câmara, no início da década. “A Subcomissão da Copa não é para assistir aos jogos. Daqui a pouco o trabalho vai se limitar a isso, se depender do Ricardo Teixeira [presidente da CBF]”, critica o tucano.
Torres afirma que há muito serviço pela frente, como tratar dos vistos de trabalho das delegações das seleções e das isenções de impostos para setores em ampla atividade na Copa, como os materiais esportivos importados. “O Ricardo Teixeira não tem o menor interesse em ver o Congresso acompanhando.”
O presidente da subcomissão se justifica. Marcelo Teixeira diz que as eleições impediram o andamento dos trabalhos. “Ficou um pouco prejudicado.” O deputado afirma que, mesmo em junho, antes do início da campanha eleitoral, não era possível se dedicar ao tema. “Aí já estávamos praticamente em clima de eleição”, afirma.
O deputado sustenta que os trabalhos serão retomados em grande estilo. No dia 25 de novembro, haverá um congresso de turismo cujo tema será a Copa do Mundo. Entre os convidados, o ministro do Turismo, Luís Barreto, Orlando Silva e o presidente da CBF, Ricardo Teixeira.
Marcelo entende que o jogo não vai atrapalhar as votações desta quarta-feira (19) no plenário da Casa. “Vamos iniciar a reforma tributária. O jogo é à noite, depois da novela...” Do Congresso Nacional, no Plano Piloto de Brasília, até o Estádio do Bezerrão, na cidade do Gama, são cerca de 40 quilômetros – o trajeto pode ser percorrido entre 40 minutos e uma hora, a depender do trânsito.
Questionado sobre o eventual esvaziamento da Casa, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), disse ontem (18) que “vai em frente”, apesar de alguns parlamentares quererem “um autógrafo do Dunga”.
Troca de responsabilidade
A distribuição de ingressos causou polêmica em Brasília. Segundo a assessoria da CBF, o rateio está a cargo do governador José Roberto Arruda (DEM). A Secretaria de Esporte do Distrito Federal, porém, diz que a responsabilidade é da Federação Brasiliense de Futebol (FBF), que repassa, por sua vez, a função para o governo.
A assessoria do gabinete do governador admitiu que, dos 20 mil lugares do reformado estádio do Bezerrão (obra de R$ 50 milhões), só 12 mil ingressos estão à venda. No início, eram ainda menos: 9 mil.
Os auxiliares de Arruda revelam que 2 mil ingressos foram sorteados entre moradores do Gama e de Santa Maria, outra cidade do Distrito Federal. Mais 500 entradas foram distribuídas entre operários da obra.
Existem ainda 4.500 ingressos para autoridades convidadas, a cargo do GDF, CBF e patrocinadores. Aí, estão os parlamentares. A assessoria do governo do Distrito Federal não sabe a quantos deputados e senadores será oferecido um lugar na partida entre Brasil e Portugal, mas acredita que não há condições de convidar todos os 594 congressistas. Por fim, há uma “reserva técnica” de mil lugares, por questões de segurança.
Ao contrário, a assessoria da CBF não quer conversa sobre o tema. Diz que a distribuição de afagos é por conta do governador Arruda. “É com ele. Não tem nada a ver com a gente isso”, rebate o assessor de imprensa da entidade, Rodrigo Paiva. A Confederação só teria direito a uma cota não-revelada e assentos para familiares de atletas.
Os outros 12 mil ingressos são vendidos a partir de R$ 180,00, mas, no site http://www.ingresso.com.br/, já há entradas a R$ 480,00 para assistir ao jogo no Gama, cidade do Distrito Federal.
Segundo a assessoria da CBF, o preço foi definido por uma empresa árabe e o governo do Distrito Federal. A empresa contratou a seleção para fazer 20 jogos amistosos. Já a assessoria do GDF diz que o preço foi acertado entre a CBF e a Federação Brasiliense de Futebol. Na federação, ninguém tem informações.
A realização do jogo no Gama faz parte da campanha do governo Arruda para confirmar Brasília como uma das sedes da Copa do Mundo de 2014. Nos bastidores, a escolha da capital federal já é dada como certa. A confirmação, porém, só deve ser anunciada em março de 2009, quando serão divulgadas as cidades brasileiras que vão sediar os jogos.
Acinte
O ex-presidente da CPI do Futebol, senador Alvaro Dias (PSDB-PR), ironizou a distribuição de ingressos. “Deve-se repetir o convescote conhecido pela CBF. Eles são muito habilidosos e eficientes nesse trabalho de relações públicas.”
O senador criticou a ida de membros da Subcomissão da Copa ao jogo, já que ela não produziu nada ainda e a população vai ter que arcar com um preço “exorbitante” para ver um esporte popular. “É um acinte!”.
Para Alvaro Dias, os dirigentes do futebol usam a seleção “como se fosse propriedade privada”. Ele reclamou da falta de transparência na quantidade de convites. “Em Minas Gerais, distribuíram 3 mil ingressos. É um jogo de esconde-esconde. A gente só fica sabendo depois do jogo. Ninguém assume essa responsabilidade.”
Poucas reuniões
A Subcomissão da Copa de 2014 substitui a Subcomissão para a Escolha do Brasil como sede da competição. Como mostrou o Congresso em Foco, esse colegiado foi presidido por José Rocha (PR-BA), que recebeu R$ 150 mil da CBF nas últimas duas eleições nacionais.
Criada em julho de 2007, o grupo reuniu-se apenas oito vezes. Em quatro, não houve deliberações ou audiências públicas. O último trabalho foi votar o requerimento de Sílvio Torres para o encerramento das atividades e criação da Subcomissão para Acompanhar os Preparativos da Copa do Mundo de 2014.
No ano passado, 111 parlamentares (veja a lista) retiraram na última hora sua assinatura do requerimento de criação da CPI do Corinthians. Como revelou na época o Congresso em Foco, o lobby da CBF e dos governadores dos estados que reivindicavam sediar jogos da Copa de 2014 frustrou a expectativa de se investigar uma série de denúncias de evasão de divisas, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal nas transferências milionárias de jogadores do Brasil para o exterior.
Ligações políticas
A investigação teria como base a parceria entre o Corinthians e o fundo de investimentos Media Sport Investiment (MSI), representado pelo iraniano Kia Joorabchian. Em 2005, o clube paulista conseguiu trazer para a equipe astros argentinos, como Carlitos Tevez e Mascherano, e faturou o campeonato brasileiro daquele ano.
Em setembro do ano passado, a Polícia Federal deflagrou a Operação Perestroika, que investigava as relações entre o clube brasileiro, a MSI e o russo Boris Berezovski, sócio da MSI e apontado como financiador da parceria. Mas a intenção dos defensores da CPI era ir mais fundo e apurar crimes contra o sistema financeiro e a ordem tributária praticados por todos os clubes.
O argumento propagado pela CBF e pelo grupo de governadores era de que as investigações no Congresso poderiam levar a Fifa a voltar atrás em sua decisão e tirar do país a condição de sede da Copa de 2014. A vinculação entre as duas coisas, no entanto, foi descartada pelo próprio presidente da entidade máxima do futebol, o suíço Joseph Blatter.(Congresso em Foco)
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