terça-feira, agosto 31, 2010

Entorno: a quem toca a responsabilidade? Por Ronaldo Caiado

 
Quer se goste ou não, a problemática da região do Entorno do Distrito Federal não é provocada por Goiás nem por Minas Gerais. Ainda que involuntariamente, quem a criou foi Brasília, que atrai migrantes por ser núcleo de poder político, pela perspectiva de emprego e de melhoria de vida, pela qualidade de seus serviços públicos e pela sua prosperidade, já que detém a maior renda per capita do país. Como muitos são os interessados mas muito poucos os que acabam escolhidos, os demais se vêem compelidos a buscar acomodação nos municípios periféricos, goianos em sua maioria.

Com isso, passa-se a lidar com um fenômeno de esquizofrenia sócio-política. A área do Entorno está umbilicalmente ligada ao Distrito Federal, que, entretanto, sobre ela não tem, formalmente, responsabilidades político-administrativas nem obrigação de prestar-lhe atendimento em termos de políticas públicas. Simultaneamente, ela se vê distante dos centros a que está politicamente subordinada, os quais, além disso, não dispõem de condições nem de recursos para atendê-la como seria necessário. Isso gera um paradoxo cruel: convivem, lado a lado, simbioticamente, o Distrito Federal, que exibe a maior renda per capita do país e dispõe de excelentes serviços públicos, e o seu cinturão de entorno, que ostenta o pior IDH do país e que se vê forçado, pela ausência local de escolas, hospitais e serviços básicos, a buscá-los em Brasília e na rede assistencial do DF.

Qual seria a solução – se não a mais justa, pelo menos a mais objetiva e viável?
Uma proposta foi formulada pelo deputado Tadeu Felipelli, do Distrito Federal, mediante uma PEC que incorporaria 9 dos 19 municípios goianos do Entorno ao Distrito Federal. Não me parece razoável nem funcional. Equivale, em termos, a se varrer o lixo para embaixo do tapete. Ela, em verdade, apenas oficializaria uma responsabilidade que, na prática, os fatos já se encarregaram de jogar no colo do governo do Distrito Federal.

Os 12 municípios restantes da zona do Entorno, 10 goianos e 2 mineiros, continuariam como já estão, desassistidos e tendo que recorrer aos recursos e benesses distritais. Além disso, haveria outras inconveniências. O Distrito Federal não possui municípios em sua estrutura de organização política; estes que seriam anexados seriam rebaixados a cidades satélites, sem autonomia política? O que fazer com seus prefeitos, vereadores e administração pública direta e indireta, já existentes? Transformar-se-iam em “regiões administrativas sui generis”? E, de outro lado, quem garante que os demais municípios da região, ou ainda outros municípios goianos, do “novo Entorno”, não pressionassem por anexações semelhantes?

Goiás não tem como atender aos seus municípios da região do Entorno, já que não teria como conferir privilégios a 19 dos seus 246 municípios, a maior parte igualmente carentes. Ademais, não faria sentido exigir-se que comprometesse recursos, já escassos, com uma situação, a do Entorno, para a qual não contribuiu. Muito menos os governos locais desses municípios hipertrofiados teriam como responder, em escala municipal, às necessidades de seus habitantes. Ainda que a contragosto, a conta terá que ser suportada por quem é mais rico, que no caso é o Distrito Federal.

Portanto, o que se afigura mais plausível é que o Distrito Federal, até pelas implicações de reciprocidade de interesses, proximidade geográfica e imbricação político-administrativa, responda por esse atendimento. A solução a longo prazo está no desenvolvimento do próprio Entorno, a um ponto tal que aquela área possa se tornar, se não totalmente autosuficiente, pelo menos detentora de uma capacidade, mínima que seja, de assunção de serviços públicos de modo a tornar tão mínima quando possível sua dependência dos serviços essenciais do Distrito Federal. Sem isso, a questão do Entorno rapidamente entrará em metástase irrefreável, cujos efeitos serão sentidos exclusivamente pelas administrações distritais.

Uma dessas fórmulas, encampada pela minha proposta, é a utilização do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO) para combater essas distorções do Entorno. Lembro que tais fundos constitucionais foram criados pela constituinte de 1988 com o propósito específico de combater desigualdades regionais; não compreendem inversões a fundo perdido, mas recursos de fomento a atividades de desenvolvimento – que é o que o Entorno necessita. Para 2010, estão destinados ao Distrito Federal, no FCO, R$ 789,6 milhões, que eu proponho sejam destinados ao desenvolvimento do Entorno, que, para além de qualquer dúvida, é a mais carente e necessitada área ligada ao Distrito Federal.

Brasília não teria qualquer prejuízo com essa proposição. Primeiro, já conta com o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), que em 2010 destinará R$ 7,8 bilhões exclusivamente ao Distrito Federal, a fundo perdido. Segundo, porque quanto mais o Entorno se firmar por conta própria, menores serão os gastos que o DF terá que promover na sua rede de serviços para atender indiretamente àquela região. Sumariamente, nossa proposta implica fazer com que essa parcela do FCO destinada ao Distrito Federal, aplicada na região do Entorno, estimule a criação e a ação mais competitiva de indústrias, do comércio, do setor agropecuário e dos prestadores de serviços, tornando-a menos dependente. Se não é uma solução, pelo menos é um início.
 

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