quinta-feira, outubro 28, 2010

Crise econômica é combustível para ascensão do Tea Party

Uma caminhada pelo centro de Reno, cidade de pouco mais de 200 mil habitantes no Estado americano de Nevada, mostra as cicatrizes ainda recentes da recessão que atingiu o país e ajuda a explicar a ascensão do fenômeno conservador Tea Party.

O movimento, que reúne vários grupos contrários às políticas do presidente Barack Obama e à interferência do Estado em diversos setores da sociedade, ganhou força na campanha para as eleições legislativas de 2 de novembro, ao ameaçar a vaga não apenas de políticos democratas consagrados, mas também de republicanos mais moderados.

Na rua principal de Reno, um punhado de turistas divide espaço com mendigos em busca de esmolas. Os cassinos e hotéis, base da economia local, permanecem quase vazios e são um exemplo de que, como o próprio presidente Obama já disse, os Estados Unidos ainda têm pela frente um longo caminho rumo à recuperação pós-crise.

Com sua economia baseada no turismo e na construção civil, dois setores fortemente atingidos pela crise econômica, a cidade é um retrato do que ocorre em Nevada, Estado com alguns dos piores indicadores econômicos do país e berço de uma das maiores estrelas do Tea Party nestas eleições, a candidata ao Senado Sharron Angle, que concorre pelo Partido Republicano.

"Sempre há um tipo de partido antigoverno nas eleições legislativas que ocorrem na metade do mandato presidencial. Mas agora, há o agravante da economia, que vai mal", disse o cientista político Eric Herzik, professor da Universidade de Nevada em Reno.

"A grande questão é a economia. A taxa de desemprego é de 9,6% no país, e em Nevada é de mais de 14%. Há um colapso do mercado imobiliário que parece nunca chegar ao fim. E ainda há duas guerras impopulares", afirma Herzik.

Raiva

Em um país que sofre com o ritmo lento da recuperação da economia, Nevada aparece em situação ainda pior. No ano passado, a população do Estado diminuiu, pela primeira vez desde a Grande Depressão. Nevada tem a mais alta taxa de desemprego do país, os maiores índices de execuções de hipotecas e de falências e o maior déficit orçamentário.

Nesse cenário, a conservadora cristã Angle despontou pregando a redução da interferência do Estado, de gastos públicos e de impostos, e a oposição a quase todas as medidas do governo Obama, desde a reforma do sistema de saúde até os pacotes de resgate aos bancos.




Com essa plataforma, Angle ganhou a adesão dos americanos que perderam a paciência de esperar por melhoras na economia e pode acabar conquistando a cadeira do líder da maioria democrata no Senado, Harry Reid, com quem há meses aparece empatada nas pesquisas de intenção de voto.

"Acho que o governo Obama pode dizer com justiça que herdou muito do problema econômico. Mas suas políticas imediatas de estímulo e sua segunda parte do resgate aos bancos, e mesmo alguns dos esforços para recuperar o mercado imobiliário, talvez até estejam funcionando, mas ainda não vimos o resultado", diz Herzik.

"Nacionalmente, os americanos estão com raiva. Sharron Angle representa essa raiva na sociedade americana neste momento", afirma o cientista político.
Como é próximo de Obama e participou da maioria das políticas do governo, Reid acaba canalizando boa parte dessa raiva, que é visível nas ruas de Reno.

"Reid apoia os planos do governo Obama em vez de representar os interesses do nosso Estado", disse a estudante de psicologia Katherine Fortuna, 19 anos, enquanto fazia campanha por Angle em frente à Universidade de Nevada.

"Angle não é influenciada pelo governo de Obama e por seus planos", disse a estudante, que vai votar pela primeira vez neste ano.

Divisão republicana
 
Angle, de 61 anos, é expoente da onda conservadora que tomou conta do país e, segundo analistas, pode não apenas tirar a maioria dos democratas no Congresso, mas também isolar líderes republicanos mais moderados e empurrar o Partido Republicano para a extrema direita após as eleições de novembro.

Apesar de dizer que não é política de carreira e se apresentar como "mãe e avó de classe média", Angle faz parte do cenário político de Nevada há vários anos e foi eleita para a Assembleia Estadual no final dos anos 90. Ela ganhou a indicação do partido para concorrer ao Senado ao derrotar a republicana Sue Lowden nas primárias.

Sua candidatura acabou provocando divisões, e alguns republicanos em Nevada dizem que vão votar em Reid por não concordar com muitas posições da candidata consideradas "extremas".

"Angle está muito à extrema direita no partido. Ela não defende apenas um governo menor, mas é anti-governo. É também muito conservadora em questões sociais", diz Herzik. "Como republicano, digo que é doloroso assistir a isso."

"Os republicanos tradicionais se distanciam dela. Muitos deles querem um governo menor, mas não acabar com todas as políticas sociais, ou com o Departamento de Educação (como a candidata propõe). Eles veem um papel para o governo, que Sharron Angle não vê", afirma o cientista político.

O professor calcula que atualmente o Tea Party represente entre 40% e 50% do Partido Republicano. "É uma parcela do partido que tem uma energia enorme e uma base de apoiadores muito dedicada."

Os adversários democratas se aproveitam das gafes e declarações polêmicas de Angle e se esforçam para fixar o rótulo de extremista na candidata e em outros representantes do Tea Party.

"Não é bom ver o Partido Republicano ser tomado pelo Tea Party", disse o vice-presidente americano, Joe Biden, em um comício em apoio a Reid em Reno, na semana passada.

Propostas

O Tea Party não tem comando central e inclui centenas de grupos espalhados pelos Estados Unidos, alguns com apenas cinco ou dez membros. Em uma pesquisa realizada em todo o país, o jornal The Washington Post identificou cerca de 1,4 mil grupos, mas conseguiu confirmar a existência e fazer contato com menos da metade.

Em comum, eles têm a preocupação com os rumos da economia, a desconfiança em relação ao governo Obama e a defesa da limitação do tamanho do Estado. Os membros do Tea Party se orgulham de não ser um partido político e demonstram descontentamento tanto em relação aos democratas quanto aos republicanos tradicionais.

Os candidatos apoiados pelo Tea Party ganharam força com a ajuda do financiamento vindo de grupos conservadores mais organizados, que gastaram milhões nas campanhas de candidatos como Sharron Angle.

Os US$ 14 milhões (cerca de R$ 23,7 milhões) levantados por Angle nos últimos três meses vieram de pequenos doadores mas, principalmente, de grandes organizações como a American Crossroads, da qual Karl Rove, conselheiro de George W. Bush, é co-fundador, ou o Club for Growth, que prega redução de impostos e de gastos do governo.

Segundo analistas, apesar da rejeição a temas comuns, o Tea Party não traz propostas específicas para o debate político.

"Eles estão com raiva. Mas não são articulados sobre os pontos específicos dos quais têm raiva e como vão consertar os que acham que está errado", diz Herzik.

"Mas no momento atual, ser antigoverno, mesmo sem um plano alternativo, é uma posição que parece encontrar eco nos eleitores americanos", afirma.(BBC NEWS)

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