O principal índice de inflação do país, o IPCA, encerrou o ano de 2010 com uma alta acumulada de 5,91% - o maior número dos últimos seis anos. O dado foi divulgado nesta sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O aquecimento da economia brasileira, com desemprego em queda e renda em alta, além da valorização de algumas commodities agrícolas no mercado internacional, são apontados como as principais razões da retomada da inflação em 2010.
Para este ano, a expectativa do mercado é de que a inflação continuará preocupando e deverá ser um dos principais desafios da equipe econômica do governo Dilma Rousseff. Os economistas ouvidos pelo boletim Focus do Banco Central prevêem um IPCA de 5,32% em 2011.
Entenda o que levou à alta da inflação em 2010 e as perspectivas para este ano.
Por que os preços subiram tanto em 2010?
Os economistas apontam duas razões, em especial: o aquecimento da economia brasileira e a alta dos preços dos alimentos no mercado internacional.
No primeiro caso, a explicação está relacionada a fatores internos. O Brasil foi um dos países que mais rápido saiu da crise financeira internacional, com a melhora de diversos indicadores já em 2010.
Com desemprego em queda e renda em alta, os brasileiros voltaram a consumir no ano passado. Em um ano, o nível de crédito no país cresceu 20%, chegando a 46,3% do Produto Interno Bruto (PIB).
“A alta dos preços também é reflexo desse aquecimento da demanda, em meio ao crescimento econômico do país”, diz a economista Ariadne Vitoriano, da Rosenberg & Associados.
Mas a inflação brasileira em 2010 não foi influenciada apenas pelo lado da demanda. A valorização das principais commodities agrícolas no mercado internacional também tem contribuído para alimentos mais caros.
A cotação do café em grão, por exemplo, ficou 37% maior em um ano, enquanto o açúcar subiu 29% nos mercados internacionais.
O que está por trás da alta dos alimentos?
A forte recuperação econômica dos países emergentes, sobretudo a China, fez com que a demanda por alimentos subisse rapidamente e, em conseqüência, seus preços.
Estima-se que a renda dos chineses esteja crescendo a uma velocidade de 20% entre os mais pobres, criando condições para que milhões de pessoas possam melhorar sua alimentação.
O preço da soja reflete bem esse processo. Mesmo com safras recordes nos principais mercados produtores, entre eles Brasil e Argentina, o preço do grão continuou em alta, graças, sobretudo, ao consumo chinês.
Diversos outros alimentos também seguiram tendência de alta no ano passado, como carnes, açúcar, café e algodão.
Em alguns casos, como do trigo, o preço também foi influenciado por questões climáticas. Fortes secas na Rússia e na Argentina reduziram os estoques e puxaram os preços para cima.
De acordo com o órgão das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), que acompanha mensalmente o preço de uma cesta com 55 commodities agrícolas, os valores registrados em dezembro do ano passado foram os maiores desde 1990, início da série histórica.
Como essa alta dos alimentos está se refletindo no Brasil?
O grupo alimentos e bebidas tem uma forte participação na inflação do país, com um peso de 23% no caso do IPCA. É por esse motivo que, quando os preços dos alimentos sobem, o índice tende a acompanhar.
Em 2010, os preços desses itens subiram 10,30%, contribuindo com 2,34 pontos percentuais da alta inflacionária.
O brasileiro tem sentido esse processo diretamente no bolso: em um ano o preço da carne subiu 30% e o feijão, 51%.
Mas apesar da forte influência, não foram apenas os alimentos que puxaram a inflação para cima em 2010.
Os aumentos nos valores dos aluguéis (7,4%) e condomínio (7,1%) também foram significativos no ano passado. Outros serviços também cresceram acima do IPCA, como empregados domésticos (11,8%) e cabeleireiro (8,1%).
“Ao contrário de períodos anteriores, quando outros setores não acompanharam a alta, dessa vez vemos um aumento de preços quase generalizado”, diz o economista Paulo Picchetti, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em inflação.
Uma das razões, segundo ele, está no fato de alguns índices de preços no atacado, como o IGP – que reflete ainda mais a alta dos alimentos – ainda serem usados como indexador de diversos contratos no país, causando um efeito cascata no reajuste de preços.
O que o governo tem feito para segurar a inflação?
Um dos mecanismos mais utilizados pelos governos no combate à inflação é o aumento dos juros, que torna o crédito mais caro e tende a reduzir o ritmo de consumo.
Diante dos sinais de alta generalizada dos preços, o Banco Central do Brasil iniciou um novo ciclo de aumento dos juros em abril do ano passado. A taxa foi elevada por três vezes consecutivas, saindo de 8,75% para 10,75%. Desde a reunião de julho, porém, não houve mais qualquer alteração.
A manutenção da taxa básica de juros em um cenário de inflação em alta despertou críticas entre alguns analistas de mercado, para quem a taxa básica de juros (Selic) deveria estar em um patamar mais alto para combater a inflação.
Outra medida tomada pelo governo brasileiro foi o aumento do compulsório – dinheiro dos bancos que fica retido pelo Banco Central.
Ao retirar R$ 61 bilhões de circulação, no final do ano passado, o objetivo da autoridade foi o de reduzir a liquidez do mercado e, assim, “encarecer” o crédito, uma medida com resultado similar a um aumento nos juros.
Como deve ficar a inflação em 2011?
A previsão do mercado é de que a inflação continuará em um patamar elevado, em função da alta dos alimentos, que ainda não deu mostras de arrefecimento.
Segundo levantamento semanal do Banco Central, o IPCA deverá encerrar o ano de 2011 com alta de 5,32%.
Na avaliação de Paulo Picchetti, a inflação deve se estabilizar ao longo do ano. “É importante lembrar, no entanto, que isso não significa recuo nos preços”, diz.
Ainda de acordo com o economista da FGV-SP, essa estabilização deve começar a partir do 2º semestre, quando os preços das commodities deverão atingir um “limite”.
Com o início do governo Dilma Rousseff, é possível esperar medidas adicionais no combate à inflação?
A nova presidente tem dado sinais de que pretende colocar em prática algumas medidas de ajuste fiscal – o que a médio prazo poderá ter um efeito benéfico sobre a inflação.
Um dos planos já anunciados é um corte de R$ 20 bilhões no orçamento deste ano, mas o assunto precisa ainda ser detalhado e encaminhado para aprovação no Congresso Nacional.
Ao enxugar seus gastos, o Estado contribui para a redução dos preços, na medida em que reduz o ritmo de dinheiro em circulação (liquidez).
Segundo Picchetti, o futuro da inflação também está diretamente relacionado à “credibilidade” do novo governo.
“A credibilidade é um aspecto de extrema importância nesse processo. Ela mexe com as expectativas das pessoas, que por sua vez influenciam algumas decisões quanto a reajustes de preços”, diz o economista da FGV-SP.
“Por isso é importante que as metas do governo, como a do superavit primário, sejam colocadas e perseguidas de forma clara e transparente”, acrescenta.
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