A democracia é entendida por proporcionar um estilo de vida identificado pelo respeito à dignidade da pessoa, pela liberdade e pela igualdade de direitos e oportunidades, pela implementação de um regime político que se caracterize pelo contínuo aprimoramento da liberdade de expressão política, e de pensamento.
O voto é o meio utilizado como premissa básica da democracia desde o século VI a.C., quando a democracia foi instituída em Atenas na Grécia. Uma das primeiras eleições registradas em Atenas era com o voto majoritário para o qual a vitória era indesejada: no processo chamado ‘ostracismo’, os votantes escolhiam o cidadão que seria exilado por dez anos do país.
A maioria das eleições no início da história da democracia foram conduzidas usando o voto majoritário ou alguma variante, mas com uma exceção, o Estado de Veneza no século XII adotou o sistema que conhecemos atualmente como voto por aprovação para eleger seu Grande Conselho.
O sistema veneziano para a eleição do Doge de Veneza (era o primeiro magistrado da república veneziana) era um processo particularmente complexo, consistindo de cinco turnos de sorteio e cinco turnos de voto por aprovação. Para o sorteio, um grupo de 30 eleitores era escolhido, que era reduzido a nove eleitores por um novo sorteio.
O colégio eleitoral de nove membros elegia 40 pessoas por voto por aprovação; esses 40 eram reduzidos para formar um segundo colégio eleitoral de 12 membros por um novo sorteio.
O segundo colégio eleitoral elegia 25 pessoas por votação por aprovação, que era reduzido para formar um terceiro colégio eleitoral de nove membros por sorteio. O terceiro colégio eleitoral elegia 45 pessoas, que era reduzido para formar um quarto colégio eleitoral de 11 por sorteio.
Eles escolhiam um corpo eleitoral final de 41 membros, que finalmente elegiam o Doge. Apesar de sua complexidade, o sistema tinha certas propriedades desejáveis como ser difícil de manipular e garantir que o vencedor refletia as opiniões tanto da facção majoritária como da minoritária. Esse processo foi usado com pouca modificação de 1268 até o fim da República de Veneza em 1797, e foi um dos fatores que contribuiu para a durabilidade da república.
Ao longo dos tempos e na vida política das nações foram criadas as mais variadas formas de organização da representação política,elas são o que chamamos de:sistemas eleitorais.
Os sistemas eleitorais são basicamente construções institucionais instrumentalmente concebidas para a realização de uma concepção particular de representação política.E suas variações podem chegar a 38 tipos mais ou menos diferentes entre si.Sendo 14 variedades majoritárias, 2 mistas e 22 proporcionais.Que ocupam duas posições extremas :a eleição por pluralidade em listas partidárias hierarquizadas, fechadas e bloqueadas E a representação proporcional integral em colégio eleitoral nacional único. E entre ambas uma série de posições intermediárias.
A necessidade de adquirir poder é inata no ser humano e esta incansável necessidade pode ser tornar desigual quando se trata de estabelecer as estratégias utilizadas durante os jogos pelo poder.
A criação dos sistemas eleitorais nada mais é do que a ferramenta do Estado/Governo estabelecido para tentar equacionar a busca pelo poder. É o meio de proporcionar igualdade de oportunidades a todos que disputam os pleitos.
No universo da política ninguém quer ter menos poder; todos querem mais, isso é possível observar na linha do tempo e na história da formação das nações. Os estados na ilusão de parecerem justos criaram através de seus mecanismos burocráticos meios para tentar tornar honesta e válida as escolhas muitas vezes impostas ao povo.
Os homens são tão orgulhosos de seu poder, que andam ansiosos para perpetuá-los a qualquer custo. A história está repleta de casos curiosos de pessoas já importantes e famosas que para se sentirem mais importantes e poderosas beiraram a comicidade: George Washington queria ser chamado de “Sua Majestade,O Presidente dos Estados Unidos”;Colombo pleiteou o título de ”Almirante do Oceano” e Vice-rei da Índia”;Catarina,a Grande se recusava a abrir cartas que não fossem endereçadas a “Sua Imperial Majestade”.O dinheiro já não é suficiente, o poder é que mais interessa.
O regime democrático enfrenta um imenso paradoxo: dentro da democracia tudo deve parecer civilizado, decente e justo, mas se obedecemos com muita rigidez a todas essas regras, como ficaria a disputa pelo poder?
É perfeitamente possível a percepção que mesmo em uma democracia o que se vê na superfície é apenas uma camada cintilante de um caldeirão de emoções escusas (ganância, inveja, luxúria e ódio).
O mundo atual se imagina o pináculo da justiça social, mas as mesmas e feias emoções continuam se constituindo como a base de muitos dos homens públicos. O tempo passou, mas o jogo continua o mesmo e não uma relíquia do passado.
No jogo do poder não existem princípios; apenas fatos. Não existem o bem e o mal, apenas circunstâncias. O poder é essencialmente amoral e neste jogo não se julgam os adversários por suas intenções, mas pelo efeito de suas ações.
O poder é um jogo social, é um leque de possibilidades sem fim, de logro, sedução e manipulação.
“Ostente e seja visto... O que não é visto é como se não existisse... Foi a luz que deu brilho a toda a criação. A exibição preenche muitos espaços vazios,encobre deficiências,e faz tudo renascer,especialmente se apoiada pelo mérito autêntico.”(Baltasar Gracián,1601-1658)
Na política, as pessoas com quem você se associa são importantíssimas. E é possível exemplificar isso quando Otto Von Bismarck se tornou deputado no parlamento prussiano em 1847, quando tinha apenas 32 anos e nenhum aliado ou amigo com quem pudesse contar,olhando em volta ele logo concluiu que não deveria se aliar ao seu partido, nem, aos liberais, nem aos conservadores no parlamento, também a nenhum ministro em particular, e certamente não ao povo.
Ao rei Frederico Guilherme IV, sim!Foi uma escolha estranha no momento, já que o poder de Frederico estava em baixa. Mesmo assim Bismarck cortejava Frederico dia e noite enquanto os demais deputados atacavam o rei. Finalmente a estratégia funcionou e em 1851, Bismarck foi nomeado ministro de gabinete do rei.
Quando Frederico morreu em 1861, seu irmão Guilherme subiu ao trono e também passou a depender do trabalho de Bismarck, o rei com o tempo virou seu dependente e aos poucos Bismarck ia conseguindo tudo que queria do rei Guilherme.
Bismarck foi nomeado primeiro-ministro da Prússia , o rei se deixou coroar como imperador da Alemanha, mas era Bismarck quem de fato governava , afinal ele era o braço direito do imperador, o chanceler imperial que movia todo o império.
“Assim , um príncipe sábio pensará em como manter todos os seus cidadãos,e em todas as circunstâncias,dependentes do Estado e dele;e aí eles serão sempre confiáveis” (Nicolau Maquiavel,1469-1527)
Muitos acreditam que o poder é independência, o poder implica em relacionamento entre as pessoas; os políticos e sobretudo eles, sempre precisarão de aliados.
É possível perceber isso se tomarmos como exemplo o PMDB que era um partido político de oposição ao governo quando foi fundado em 24 de março de 1966, dentro do sistema de bipartidarismo instaurado no país depois da edição do Ato Institucional n° 2 (27/10/1965), que extinguiu os partidos existentes até então, e do Ato complementar n° 4, que estabeleceu as condições para a formação de novos partidos (MDB e ARENA).
Naquela época muitos dos congressistas originários de todos os partidos de oposição, unidos pelo propósito comum de restaurar a normalidade democrática, decidiram criar o MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – MDB, tendo como presidente o Senador OSCAR PASSOS (AC).
Ao longo de toda a sua história o PMDB é um partido que só cresce em força e tamanho. De uma forma ou de outra é certamente o partido político brasileiro que mais tempo esteve no poder desde a sua criação, até os dias de hoje. O partido ocupa vários cargos no primeiro escalão do governo Dilma, para além da Vice-Presidência e a Presidência do Senado na pessoa do já lendário José Sarney.
O PMDB sempre funcionou e ainda funciona com um bloco único no Congresso para fincar a sua grande bandeira, bandeira esta que seria também um marco na história recente do país. A Assembléia Nacional Constituinte, que foi comandada por Ulysses Guimarães sempre esteve associada ao PMDB.
O PMDB continua um partido de peso suficiente para ajudar muito ou atrapalhar muito. O partido ocupa um espaço importante, mesmo mantendo um certo distanciamento e oscilando entre apoio e oposição.É também o partido que garante a governabilidade.
Os seus caciques sabem disso e mantém os olhos bem abertos nas possíveis oportunidades o que o torna um partido claramente oportunista. Logo abaixo trechos da entrevista do ex-senador Jarbas Vasconcelos (Veja 18/02/2009, no 2.100 )
“Eu entrei no MDB para combater a ditadura, o partido era o conduto de todo o inconformismo nacional. Quando surgiu o pluripartidarismo, o MDB foi perdendo a sua grandeza. Hoje, o PMDB é um partido sem bandeiras , sem propostas, sem um norte.É uma confederação de líderes regionais ,cada um com seu interesse , sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos”.
“A maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral. A corrupção está impregnada em todos os partidos. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção”.
“De 1994 para cá, o partido resolveu adotar a estratégia pragmática de usufruir dos governos sem vencer eleição. Daqui a dois anos o PMDB será ocupante do Palácio do Planalto, com José Serra ou com a Dilma Rousseff. Não terá aquele gabinete presidencial pomposo no 3° andar, mas terá vários gabinetes ao lado”.
E de fato foi o que aconteceu, o PMDB continua ileso, firme e forte na esfera do poder. Este é sem dúvidas um clássico exemplo do uso das leis do poder. O partido recebeu muitos filiados, muitos deles sem um real compromisso com o passado partidário e que estes novos membros (políticos eleitos) talvez estejam mais interessados em obter vantagens pessoais proporcionadas pelo poder.
As velhas práticas ainda funcionam e acredito que sempre continuarão a funcionar, já que as articulações de bastidores e a busca desenfreada de perpetuação no poder é o que motiva muitos dos seus integrantes, não todos, é bem verdade, mas uma grande maioria.A idéia de participar conscientemente destes jogos, não importa se de forma direta ou não é que o torna o maior partido brasileiro e sem dúvida o mais poderoso porque traça os seus planos nos bastidores com bastante estratégia.
Nada na esfera política está escrita em pedra. Assim como também no poder. E muitas vezes faz com que a desonestidade declarada de determinados homens públicos passem a ser inclusive admirada.
“A política não é para os fracos”. Senador Fernando Collor
A vida política está repleta de desafios diários e usualmente aqueles que entram para a vida pública estão dispostos a vitória, ninguém faz política para participar, se faz política para vencer eleições.
Na esfera do poder, o seu objetivo é ter um certo grau de controle sobre os acontecimentos futuros.Para saber o que se deve fazer , é muitas vezes necessário prever o que o adversário pretende.A informação é fundamental para o poder.
“Governantes enxergam através de espiões, as vacas através do cheiro,os brâmanes através das escrituras e o resto do povo vê com seus olhos normais”.Kautilya,filósofo indiano,século 3ª.C
E foi a inquietude despertada em mim depois de reler a impressionante entrevista do então senador Jarbas Vasconcelos que decidi ouvir outras opiniões sobre o poder. Será que para se chegar ao poder é preciso enveredar pelo caminho da corrupção? Decidi saber o que pensam aqueles que têm poder. Convidei para participar do meu artigo o ex-senador Artur Virgílio.
E estas foram as respostas que recebi do senador Artur Virgílio.
LL- Qual é a definição de Estado para o senhor?
AV - Estado, na minha compreensão, é a entidade acima dos governos, que rege e aponta os rumos e destinos de uma sociedade. É o conjunto de instituições que ordenam as relações entre nacionais e com o exterior. Logo, há vários Estados e, a depender da característica de cada um, poder-se-á medir o grau de influência da sociedade sobre as decisões que lhe afetam a vida, e, portanto, o nível de liberdade e das garantias nas mãos dos indivíduos que a compõem.
Temos, então, o Estado de Direito, que se marca por ordem jurídica à qual devem submeter-se governantes, legisladores e governados. Assim, como temos o Estado totalitário, que se põe acima dos cidadãos e da cidadania e representa os anseios e a força de um grupo de pessoas, que gerenciam a sociedade impondo-lhe limitações que não foram com ela consensualizadas.
Temos, então, o Estado de Direito, que se marca por ordem jurídica à qual devem submeter-se governantes, legisladores e governados. Assim, como temos o Estado totalitário, que se põe acima dos cidadãos e da cidadania e representa os anseios e a força de um grupo de pessoas, que gerenciam a sociedade impondo-lhe limitações que não foram com ela consensualizadas.
Todo Estado dispõe de aparato coercitivo que é empregado em defesa de direitos estabelecidos no interior da ordem jurídica democrático-burguesa ou como máquina de sustentação de ditaduras militares ou civis, laicas ou religiosas, pró-capitalismo ou anticapitalistas. No Estado de Direito, é mais nítida sua separação da noção de Governo e, por igual, é mais clara a separação de Governo e propriedade do que no Estado que paire acima de ordem jurídica que lhe limite o poder, que restrinja o exercício do poder a regras amplamente discutidas e aceitas no seio da sociedade.
Os direitos fundamentais representam o anteparo dos cidadãos diante do Estado. Se tais direitos não são reconhecidos, o quadro que se desenha é o da supressão de liberdades públicas, sociais e individuais. Os direitos essenciais possibilitam os direitos sociais, que são a marca da sociedade no interior do Estado de Direito, que o é, precisamente, pelo contrato que lhe define fronteiras que o poder absoluto desconhece.
O Estado concebido por Karl Marx parte da premissa de que a ele cabe arbitrar as lutas de classes sociais, estabelecendo a ditadura do proletariado que, a partir do instante em que se fizesse classe única, abriria espaço para a sociedade igualitária, e a tal ponto democrática, que redundaria na extinção da própria figura do Estado.
O Estado democrático-burguês busca a conciliação entre as classes sociais e não se prevê extinto em futuro qualquer, embora caibam a seu respeito debates intensos sobre suas funções, seu tamanho, sua abrangência. O primeiro nega o capitalismo e prega a transição socialista rumo ao comunismo sem Estado. O segundo vem reformando o sistema capitalista de produção de modo a mantê-lo capaz de gerar riquezas e bem estar social capazes de reproduzi-lo enquanto modelo tempos afora, desmentindo as previsões marxistas de que as crises cíclicas que afetam sua economia levariam inexoravelmente à ditadura do proletariado.
Na realidade que visualizo, os governos passam e o Estado fica. No Brasil, por exemplo, as agências reguladoras não deveriam ser instrumentalizadas por governos e partidos políticos, porque foram idealizadas, a um tempo, como instrumentos de Estado e de defesa dos consumidores. A mistura entre Governo e Estado, nesse episódio específico, revela um certo viés autoritário e abre caminho para atitudes eticamente questionáveis, prejudiciais à sociedade que, pelo contrato estabelecido por mecanismos eleitorais e jurídicos, é prejudicada ao invés de defendida.
LL- E de Poder?
AV - Poder, para Gumplowicz está “na posse dos meios de satisfazer as necessidades humanas e na possibilidade de dispor livremente de tais meios”. E, indubitavelmente, é a capacidade que um indivíduo ou um grupo de indivíduos têm, em determinado momento da História de uma sociedade, de influenciar e determinar os destinos de outros indivíduos.
Se a parte governada concordou com o estabelecimento das regras que deram poder ao grupo dirigente, dir-se-á que o Poder está sendo exercido consensual e democraticamente. Se a parte governada não participou da elaboração das regras de convivência, tal situação poderá ser definida como autoritária ou ditatorial.
Há os poderes constituídos e harmônicos entre eles, funcionando interdependentemente. Caso das democracias mais sólidas de corte ocidental. E há o poder absoluto, ainda que emoldurado por instituições que mais existem para obter legitimação da comunidade internacional e que funcionam apenas para referendar as decisões vindas do grupo dominante.
E existem os poderes informais, como os que detêm os bancos, as grandes corporações empresariais, os sindicatos, o terceiro setor e, inegavelmente, a imprensa. A forma de os governos lidarem com eles servirá de referência para se calcular o nível de democracia reinante numa sociedade, o grau de garantia e respeito aos direitos fundamentais, o amadurecimento institucional do Estado. Já nos regimes autocráticos a capacidade de decidir está nas mãos de quem chegou ao comando pela via insurrecional ou mesmo pelo caminho eleitoral que, depois, seria solapado pelo governante inconformado com limites impostos ao seu exercício de poder.
Dentro do poder formal, existem subdivisões, como, por exemplo, o poder de polícia, a ser empregado supostamente em defesa da sociedade, contra indivíduos ou organizações que quebrem as regras do contrato consensualizado. Ou, dentre outros, o poder militar que, não raro, é exercido contra outras sociedades, a exemplo da atitude ofensiva dos Estados Unidos relativamente ao Iraque, podendo ser também manifestação de força defensiva como fizeram os vietcongs e o Vietnã do Norte, diante da mesma potência norte-americana.
Mas poder é muito mais, se partirmos para o micro. O do patrão sobre seus empregados. O dos empregados associados na reivindicação de melhores condições de trabalho. O do professor sobre os alunos. Dos pais sobre os filhos. Do policial sobre o prisioneiro. Absurdamente, o do traficante Fernandinho Beira Mar sobre os carcereiros que suborna, ameaça e/ou chantageia.
Quando persuado, sou aberto. Quando ameaço, exerço o poder de coerção que posso confirmar como real ou não, na hipótese de tal ameaça ser posta à prova.
Para Weber, poder legal é o que nasce da lei e do ordenamento jurídico que rege uma sociedade; poder tradicional é o que se origina no costume de o servidor seguir as determinações de um comando, estabelecido há tempos perdidos, e poder carismático é o que se baseia na força pessoal do líder capaz de bem manejar o discurso e se articular eficazmente para conseguir e ampliar influência sobre a sociedade.
LL - Em sua opinião ambos estão relacionados, ou um pode existir sem o outro?
AV - Se falarmos de política, verificaremos, sim, que Poder e Estado se relacionam fortemente. Nas respostas anteriores, porém, procurei dar exemplos de formas de poder que não estabelecem, necessariamente, essa conexão. Citei, com ironia amarga, a força de um traficante preso em regime que, teoricamente, é de segurança máxima, e dá ordens à hierarquia do sistema carcerário. Nesse caso, sobra poder e falta Estado. Mas independente do Estado, novamente cito o poder de pais sobre filhos, embora conheçamos regimes políticos fechados em que as relações familiares sofrem influência clara do Estado.
Resumindo: em Política, Poder e Estado se misturam e confundem, sim.
LL - Como o senhor vê a disputa pelo poder dentro de uma democracia? Há mais "verdade" na disputa? Ou tanto faz quanto ao tipo de regime?
AV - Há mais verdade na disputa de poder numa democracia que, obviamente, numa ditadura. Winston Churchill já decretara: a democracia é cheia de defeitos, porém seus defeitos são menores e menos numerosos que os defeitos de ditaduras de qualquer corte ideológico. E quanto mais amadurecida for a democracia, mais probabilidade haverá de as regras de disputa serem mais transparentes e legítimas.
LL - No jogo do poder "os fins justificam os meios"?
AV- É comum que lideranças políticas busquem legitimar alguns – ou muitos – de seus atos e gestos à base de “fins que justificam os meios”. Nem me vou referir a regimes políticos definidos como fechados. Ficarei naqueles que, então, seriam os abertos: são freqüentes as concessões colocadas no “altar” da luta para chegar ao poder ou para mantê-lo. Dou exemplo bem prosaico: o candidato a Presidente da República José Serra se comprometeu com elevar o salário mínimo para R$600,00. Se tivesse sido vencedor do prélio, estaria na obrigação de demonstrar a factibilidade de tomar essa atitude sem agravar o quadro fiscal do país, já bastante deteriorado, que o ex-presidente Lula da Silva legou a quem o sucedesse no cargo. Mas venceu Dilma Rousseff que, junto com Lula, para responder à promessa de Serra, assumira compromisso, junto às Centrais Sindicais, que se não igualava a proposta do adversário, era superior aos R$ 545,00 aparentemente inarredáveis de hoje.
Em jogo estava o poder. Dilma Rousseff agora preside o Brasil e não se dispõe a honrar o compromisso com as Centrais que deram inequívoco apoio eleitoral. Não se dispõe por não poder ou não querer. Mas podia, na fase de campanha, prometer e não hesitou em fazer isso. Agora, com o poder em mãos, certamente supõe que tem quatro anos para refazer os laços, que parecem trincados, com os aliados sindicais. Raciocínio básico: primeiro chega ao poder, faz um bom trabalho e depois conserta as coisas. Mais ou menos isso.
LL- A disputa pelo poder está mais justa hoje do que em outras épocas, sobretudo no Brasil?
AV - Sem dúvida que sim. Sobretudo se nos lembrarmos dos métodos da República Velha e as “degolas” de Pinheiro Machado, que depurava da lista dos que iriam tomar posse os eleitos que não eram do seu agrado. Ou os anos da ditadura militar que até senadores “biônicos” inventou, no afã de impedir que o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que vinha de ampla vitória para o Senado na renovação de um terço dessa Casa, em 1974, repetisse a dose em 1978, quando dois terços estariam em jogo, e se tornasse maioria pelo voto popular. Das vagas a serem preenchidas, a ditadura estabeleceu que metade seria de indicação do comando dito “revolucionário” e, com isso, mesmo perdendo no terço restante, garantiu maioria na Câmara Alta.
A prática democrática do voto ensinará cada vez mais a se votar com consciência. Não se negue, porém, que regiões como o Norte e o Nordeste ainda são terrenos férteis para que oligarquias corruptas prosperem e, com elas, práticas como as fraudes eleitorais, que distorcem a vontade popular.
LL - Em sua opinião o Sistema Eleitoral Brasileiro proporciona igualdade na disputa pelo poder? Ou ainda há as velhas práticas?
AV - O sistema eleitoral brasileiro é antiquado diante de uma economia que se modernizou bastante nos últimos 17 anos, a partir de significativas reformas estruturais e da fundamental conquista da estabilidade econômica.
Persistem os partidos nanicos, de aluguel ou não, todos sem efetiva representatividade popular. Regras esclerosadas levam Tiriricas para o Parlamento e, pior que isso, escudados na votação de tipos caricatamente populares desse jaez, figuras de duvidosa reputação, recheadas de processos graves na Justiça, pegam suave carona e, com poucos votos igualmente conservam ou recuperam suas cadeiras legislativas. O abuso de poder político e econômico é fato inegável, embora os tribunais cada vez mais jurisprudenciem por coibir o abuso e prestigiar a austeridade.
O Brasil necessita de urgente e completa Reforma Política, abandonando a prática nefanda de legislações provisórias, que só valem para uma ou duas eleições. E o que dificulta a medida saneadora? Ora, as forças políticas que sobrevivem nas trevas da balbúrdia atual.
LL - Com a atual legislatura (Câmara Alta e Câmara Baixa) o povo brasileiro está bem representado?
AV- Foi o povo a eleger quem o representa hoje. O Parlamento brasileiro corresponde ao estágio de compreensão política da nossa sociedade, tomada como um todo. Se a representação é deficiente – e acho que é – isso certamente se deve à democracia ainda jovem que vivemos. O tempo, certamente, corrigirá muitos dos defeitos da representação atual.
LL- Na sua opinião quem comanda o Brasil? É o José Dirceu, como muitos dizem?
AV- O ex-ministro José Dirceu continua influente no governo Rousseff, como era no período Lula, um tanto porque lidera, ainda, uma parcela do Partido dos Trabalhadores, e outro tanto porque domina graves segredos de episódios que viu ou protagonizou enquanto Ministro-Chefe da Casa Civil da Presidência da República. Mas, em meu entender, quem comanda o Brasil é o tripé Dilma Rousseff, Antônio Palocci e Lula da Silva. Isso hoje, porque, mais adiante, a tendência será a perda de espaço de Lula e a concentração de mais poderes nas mãos de Dilma, a quem correligionários e aliados prestarão crescentes reverências. A menos que sua administração entre em crise de avaliação popular e a sombra de Lula dela faça mera Presidenta-tampão.
LL- Como é a experiência de ter poder? Me refiro a experiência pessoal.
AV - Fui deputado federal de oposição ainda sob o regime ditatorial. Tinha certa influência no Congresso e fora dele, mas não poder real.
Governei Manaus durante quatro anos. Manaus é uma cidade-estado, na realidade macrocefálica do Amazonas. Nesse período, detive bastante poder, sim.
Retornei à Câmara em 1995. Meu partido elegera o Presidente da República. Fui vice-líder influente na bancada (1995) e Secretário-Geral do PSDB e sobretudo este posto me conferia certo grau de poder no Governo Federal.
Reelegi-me em 1998 e, em 1999, tornei-me líder do governo Fernando Henrique. Em 2001, fui nomeado Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República. Em abril de 2002, desincompatibilizei-me do Ministério para disputar o Senado Federal. Como líder, era, de fato, significativa a influência que exercia sobre o Governo. Como Ministro de pasta tão estratégica, posso dizer que experimentei momento de poder verdadeiro e abrangente, porque sobre outros Ministérios e sobre assuntos de grande relevância nacional.
Como Prefeito de Manaus, o poder pessoal era maior, dentro de uma realidade de alcance menor. Como Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência, o poder pessoal era menor, porque servia a um Presidente e era a sua voz política, porém o alcance era nacional.
LL - Quais foram e por que, os maiores e melhores políticos brasileiros de todos os tempos?O senhor teria uma lista, ou apenas contaria nos dedos?
AV- Não tenho dedos suficientes para abranger os nomes dos políticos brasileiros que reputo grande. Começo pelos Presidentes da República que promoveram mudanças de fundo no País: Campos Salles; Rodrigues Alves; Getúlio Vargas, apesar da nódoa em sua biografia que é o Estado Novo; JK; Itamar Franco, que deu carta branca a Fernando Henrique para gestar o Plano Real e o próprio Fernando Henrique, pelo fim da inflação com a conquista da estabilidade e as reformas estruturais que promoveu.
Embora tenha optado pela popularidade e não por investir esse apreço popular em mais reformas (muitas delas amargas) que teriam preparado o Brasil para salto definitivo rumo ao desenvolvimento pleno; reconheço em Lula um político de extrema argúcia e um Presidente que, felizmente, soube negar seu próprio discurso econômico e manter o básico das políticas econômicas que herdou.
Aí vão figuras notáveis: Carlos Lacerda, Afonso Arinos, Santiago Dantas, Hermes Lima, Almino Affonso, Arthur Virgílio Filho ( meu pai), Paulo Brossard, Jarbas Passarinho, Daniel Krieger, Aliomar Baleeiro, Adauto Cardoso, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Darcy Ribeiro.
Duas figuras à parte, que simbolizaram a luta pela redemocratização: Ulysses Guimarães e Tancredo de Almeida Neves.
Antes de todos esses: Pedro I, Pedro II, José Bonifácio, Joaquim Nabuco, Rio Branco.
Certamente deixei de citar figuras imprescindíveis à vida brasileira nas épocas em que exercitaram suas capacidades de influir sobre os destinos de nossa sociedade. E do presente, não menciono ninguém, porque, embora reconheça valor em diversas pessoas públicas, considero adequado falar de quem já fez e já foi, de biografias completas e acabadas. Quem ainda é ou faz, pode, quem sabe, desdizer a biografia correta que está construindo e, assim, opto por falar amparado no distanciamento temporal.
LL - Dentro do partido do senhor, há muito cacique para pouco índio, como diz a imprensa?
AV - Se você traduz índio por eleitor, não é tão pouco assim, porque vencemos duas eleições presidenciais em primeiro turno e perdemos três em segundo turno, no ballotage, uma vez com Geraldo Alckmin e duas com José Serra, a mais recente com 43 milhões de votos.
Se você traduz caciques por líderes e índios por liderados, talvez eu até me ponha de acordo com o raciocínio. Seria o PSDB um partido mais democrático, por exemplo, do que o PT, onde Lula manda e desmanda, sem contraste de quem quer que seja?
O PSDB vive momento difícil. É partido-pólo, que enfrenta sistematicamente outro partido-pólo, que é o PT. Não é satélite, não gravita em torno de nenhuma força política maior. Quando ganha uma eleição, governa; quando perde, fiscaliza, faz oposição. Isso num país onde o adesismo é quase lugar comum. O PMDB, por exemplo, deu a Vice-Presidente da chapa de Serra, em 2002. Perdeu conosco. Fomos para a oposição e ele para o governo Lula.
Vejo um processo claro de disputa interna de poder, com vistas a uma eleição presidencial (2014) que se não nos pegar unidos, certamente nos poderá castigar com nova derrota. O PT está protegido pelo conforto de ter sido poder por oito anos e ter garantido mais quatro. Mas mergulha de cabeça na disputa fisiológica, por cargos, com seus “aliados”, especialmente o PMDB. Isso, óbvio, lhe desmente de novo, e ainda mais, o passado de condenação a essas práticas velhas como Matusalém e nocivas como esse Patriarca não deve ter sido. Exemplo disso é o strip-tease público em torno do comando de Furnas, estatal tão bilionária quanto de tradição escandalosa.
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