sábado, março 03, 2012

Vítimas do descaso e da violência

O atentado a moradores de rua na última semana comprova o que uma pesquisa coordenada pela UnB já apontava: população de rua no DF sofre por falta de atenção da sociedade e do governo

“Os moradores de rua são tratados como se fossem criminosos que precisam ser punidos e não protegidos. Muita gente não os vê como pessoas que têm direitos”. A observação é de Camila Potyara, soció-loga e consultora do projeto Renovando a Cidadania, responsável pela pesquisa sobre pessoas em situação de rua no Distrito Federal, divulgada no final do ano passado, sob coordenação da Universidade de Brasília (UnB).

O atentado contra dois moradores de rua em Santa Maria (DF), no último dia 25, é apenas o desfecho que prova a constatação da socióloga. Em um primeiro momento, um grupo de sete jovens se aproximou das vítimas e ateou fogo em um sofá usado por moradores de rua. Assustados, boa parte dos moradores foram embora. Os dois que ficaram no local – um de 26 anos e outro de 42 anos – acabaram sendo queimados por três jovens que retornaram ao local, uma hora e meia depois. O sem-teto mais jovem morreu com 60% do corpo queimado. O outro permanece internado na Seção de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte, com cerca de 20% do corpo queimado. O crime está sendo investigado pela Polícia Civil do DF.

Segundo a pesquisa coordenada pela Universidade de Brasília, a violência é, de fato, uma constante na vida dos moradores de rua. De acordo com as respostas dadas por adolescentes e adultos que vivem nas ruas do DF, mais da metade deles (59,6%) já sofreu algum tipo de violência, a maior parte delas, cometidas pelos companheiros, porém, uma parcela significativa por policiais (24,5%) e moradores das proximidades (12,8%).

Nem mesmo o único albergue público do DF parece oferecer segurança: 78,7% dos moradores de rua não gostam, gostaram ou gostariam de dormir no Albercon. Entre os motivos listados estão: 31,5%, a violência entre os albergados; 26,2%, o fato de outras pessoas falarem mal do local e 9,5% os maus-tratos por parte dos funcionários.

DF não tem albergue

Em todo o Distrito Federal há apenas um abrigo público, o Albercon, localizado no Areal e que já rendeu muita polêmica, pois moradores e comerciantes da região querem que ele saia do local.  “Ele pode abrigar até 500 pessoas, e oferece refeições e facilidades para a higiene. É um lugar de fácil acesso porque há pontos de ônibus na proximidade. Mas, havendo interesse manifesto deles durante nossas abordagens, nós nos encarregamos de transportá-los”, disse a coordenadora de Proteção Social Especial, entidade ligada à Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest). De acordo com a Sedest, há, no DF, uma equipe de 28 educadores sociais fazendo abordagens com o objetivo de acolher sem-teto.

Há, ainda, três casas de acolhimento direto, sendo eles a Casa Flor, voltada para idosos; o Giração, para adolescentes; e Abrire (crianças e adolescentes). Foi anunciado, no ano passado, que serão construí-dos mais quatro albergues e dois centros de Referência em Políticas Públicas, este último, já com pontos definidos: um será em Taguatinga e outro no centro de Brasília.

Faltam políticas públicas


De um modo geral, a população em situação de rua no DF, que conta com mais de duas mil pessoas, não tem acesso sequer às políticas ditas universais, como saúde e educação.

Para a Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de renda do DF (Sedest), as políticas públicas voltadas aos moradores de rua devem ser pensadas de forma intersetorial e integral. “Em razão da heterogeneidade e da diversidade de indivíduos que compõem a denominada população em situação de rua, é fundamental estabelecer interseções entre esta política e as demais políticas públicas e marcos legais”, informa a assessoria de imprensa do órgão. Sendo assim, todas as ações para o enfrentamento da situação de rua contam com as secretarias de Saúde, Desenvolvimento Social e Transferência de Renda, Segurança Pública, entre outras.

Participação de todos

Desde o ano passado alguns passos a favor dos moradores de rua têm sido dados. Ao término do levantamento da UnB, no ano passado, foi realizado um ciclo de debates com representantes do governo e moradores de rua e ao final o governador do DF, Agnelo Queiroz assinou um decreto criando um comitê para “pensar” as políticas públicas para essa população. Em setembro de 2011, a Sedest realizou sua primeira reunião do Comitê Intersetorial para Elaboração da Política para Inclusão Social da População em Situação de Rua no âmbito do Distrito Federal. Os membros têm realizado periodicamente os encontros para elaborar a política para inclusão dessa população no que tange educação, saúde, inclusão social, e os direitos fundamentais ao ser humano. 

A Secretaria é a principal, dentro do GDF, para ações voltadas aos moradores de rua. Com ela fica a responsabilidade de, entre outras coisas, fazer o encaminhamento dos moradores de rua para as unidades de acolhimento e acompanhar essas unidades. Além disso, disponibiliza um canal chamado SOS Cidadão (0800-647-1407) para que a população de Brasília faça denúncias sobre violações de direitos sociais.

Perfil dos moradores de rua no DF

–     No total, 2.512 pessoas vivem em situação de rua, sendo: 319 crianças; 221 adolescentes; e  1.972 adultos.
–     Maioria é do sexo masculino (74,6%).
–     A taxa de analfabetismo entre os adolescentes é baixa: 88% afirmaram saber ler, mesmo com dificuldades, e 92,8% saber escrever bem ou com dificuldades.
–     63,2% dos adolescentes em situação de rua não trabalham.
–     45,2% dos adolescentes em situação de rua afirmaram usar ou ter feito uso de drogas.
–     30,6% dos adolescentes já foram apreendidos ou internados.
–     Os adultos em situação de rua do DF se concentram nas seguintes RAs: 27% em Águas Claras, 54, 25,1% em Brasília (sendo, 10,2% na Asa Sul, 4,4% na Asa Norte e 4,8% na região central) e 10,7% em Taguatinga;
–     A maioria dos adultos pesquisados vieram de outras Unidades da Federação (80,5%) e 0,6% vieram de outros países.
–     85,8% dos adultos em situação de rua afirmaram usar drogas.
–     74,6% dos adultos em situação de rua não têm, atualmente, acesso a nenhuma política social.
–     Cerca de 70% exercem alguma atividade remunerada.
–     78,7% dos adultos em situação de rua não gostam, gostaram ou gostariam de dormir no Albercon.
–     14,5% foram para a rua para trabalhar, 13,2% foram por que ficaram desempregados, 12,7% por que perderam a moradia e 26,5% por quebra de vínculos familiares.

Direitos

Assistentes sociais e sociólogos apontam o preconceito como um dos grandes obstáculos para a criação de políticas públicas voltada para os moradores de rua. Além de não receberem ações significativas do governo local e federal, eles têm, inclusive, os direitos básicos violados, como o de ir e vir. Dos adolescentes pesquisados pela UnB, por exemplo, todos responderam que já foram impedidos de entrar em algum lugar e até mesmo de receber atendimento público, como saúde e educação. Nem mesmo ficar nas ruas, vias públicas, eles podem, pois ações de retiradas de moradores são frequentes em todo o DF.

Toda essa visão a respeito das pessoas em situação de rua tem dificultado a criação de políticas públicas para enfrentar o problema não só na capital federal mas em todo o país. No Brasil, mais de um milhão de pessoas mora nas ruas. Somente no DF, mais de 2.500 pessoas estão nessa situação, sendo que a maior parte delas está concentrada em Águas Claras (27%) numa porcentagem bem próxima a do Plano Piloto (25,1%).

Desde 2009 o Brasil conta com a Política Nacional para População em Situação de Rua, que pretende assegurar aos moradores de rua o acesso às políticas públicas de saúde, educação, previdência social, assistência social, trabalho, renda, moradia, cultura, esporte e de lazer. No DF, pouco tem sido visto para tentar diminuir o número de moradores de rua na cidade. O que muito se vê são ações de retirada de moradores das ruas, o que, segundo a socióloga Camila Potyara, não é efetivo. “A primeira coisa que pensam para tentar resolver o problema é tirá-los das ruas e não atender às necessidades deles. Mas, numa cidade onde não existe nem albergue suficiente, você tira o pessoal das ruas e para onde eles vão? Essa política de retirada de moradores é higienista, por que tira a pobreza de onde ela está incomodando. E não é assim que se resolve o problema. Precisa haver uma política que priorize esse grupo, só assim será possível acabar com a situação de pessoas moradoras de rua", finaliza.(com informações da UNB e Jornal da Comunidade)

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