A Disputa pelo Poder e a Democracia
A democracia é entendida por
proporcionar um estilo de vida identificado pelo respeito à dignidade da pessoa,
pela liberdade e pela igualdade de direitos e oportunidades, pela implementação
de um regime político que se caracterize pelo contínuo aprimoramento da
liberdade de expressão política, e de pensamento.
O voto é o meio utilizado como
premissa básica da democracia desde o século VI a.C., quando a democracia foi
instituída em Atenas na Grécia. Uma das primeiras eleições registradas em Atenas
era com o voto majoritário para o qual a vitória era indesejada: no processo
chamado ‘ostracismo’, os votantes escolhiam o cidadão que seria exilado por dez
anos do país.
A maioria das eleições no início
da história da democracia foram conduzidas usando o voto majoritário ou alguma
variante, mas com uma exceção, o Estado de Veneza no século XII adotou o sistema
que conhecemos atualmente como voto por aprovação para eleger seu Grande
Conselho.
O sistema veneziano para a
eleição do Doge de Veneza (era o primeiro magistrado da república veneziana) era
um processo particularmente complexo, consistindo de cinco turnos de sorteio e
cinco turnos de voto por aprovação. Para o sorteio, um grupo de 30 eleitores era
escolhido, que era reduzido a nove eleitores por um novo sorteio.
O colégio eleitoral de nove
membros elegia 40 pessoas por voto por aprovação; esses 40 eram reduzidos para
formar um segundo colégio eleitoral de 12 membros por um novo sorteio.
O segundo colégio eleitoral
elegia 25 pessoas por votação por aprovação, que era reduzido para formar um
terceiro colégio eleitoral de nove membros por sorteio. O terceiro colégio
eleitoral elegia 45 pessoas, que era reduzido para formar um quarto colégio
eleitoral de 11 por sorteio.
O poder é um jogo social, é um leque de possibilidades
sem fim, de logro, sedução e manipulação.
“Ostente e seja
visto... O que não é visto é como se não existisse... Foi a luz que deu brilho a
toda a criação. A exibição preenche muitos espaços vazios,encobre deficiências,e
faz tudo renascer,especialmente se apoiada pelo mérito autêntico.”(Baltasar
Gracián,1601-1658)
Na política, as pessoas com quem você se associa são
importantíssimas. E é possível exemplificar isso quando Otto Von Bismarck se
tornou deputado no parlamento prussiano em 1847, quando tinha apenas 32 anos e
nenhum aliado ou amigo com quem pudesse contar,olhando em volta ele logo
concluiu que não deveria se aliar ao seu partido, nem, aos liberais, nem aos
conservadores no parlamento, também a nenhum ministro em particular, e
certamente não ao povo.
Ao rei Frederico Guilherme IV, sim!Foi uma escolha
estranha no momento, já que o poder de Frederico estava em baixa. Mesmo assim
Bismarck cortejava Frederico dia e noite enquanto os demais deputados atacavam o
rei. Finalmente a estratégia funcionou e em 1851, Bismarck foi nomeado ministro
de gabinete do rei.
Quando Frederico morreu em 1861, seu irmão Guilherme
subiu ao trono e também passou a depender do trabalho de Bismarck, o rei com o
tempo virou seu dependente e aos poucos Bismarck ia conseguindo tudo que queria
do rei Guilherme.
Bismarck foi nomeado primeiro-ministro da Prússia , o
rei se deixou coroar como imperador da Alemanha, mas era Bismarck quem de fato
governava , afinal ele era o braço direito do imperador, o chanceler imperial
que movia todo o império.
“Assim , um príncipe sábio pensará em como manter
todos os seus cidadãos,e em todas as circunstâncias,dependentes do Estado e
dele;e aí eles serão sempre confiáveis” (Nicolau
Maquiavel,1469-1527)
Muitos acreditam que o poder é independência, o poder
implica em relacionamento entre as pessoas; os políticos e sobretudo eles,
sempre precisarão de aliados.
É possível perceber isso se
tomarmos como exemplo o PMDB que era um partido político de oposição ao governo
quando foi fundado em 24 de março de 1966, dentro do sistema de bipartidarismo
instaurado no país depois da edição do Ato Institucional n° 2 (27/10/1965), que
extinguiu os partidos existentes até então, e do Ato complementar n° 4, que
estabeleceu as condições para a formação de novos partidos (MDB e
ARENA).
Naquela época
muitos dos congressistas originários de todos os partidos de oposição, unidos
pelo propósito comum de restaurar a normalidade democrática, decidiram criar o
MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – MDB, tendo como presidente o Senador OSCAR
PASSOS (AC).
Ao longo de
toda a sua história o PMDB é um partido que só cresce em força e tamanho. De uma forma ou de outra
é certamente o partido político brasileiro que mais tempo esteve no poder desde
a sua criação, até os dias de hoje. O partido ocupa vários cargos no primeiro
escalão do governo Dilma, para além da Vice-Presidência e a Presidência do
Senado na pessoa do já lendário José Sarney.
O PMDB sempre funcionou e ainda
funciona com um bloco único no Congresso para fincar a sua grande bandeira,
bandeira esta que seria também um marco na história recente do país. A
Assembléia Nacional Constituinte, que foi comandada por Ulysses Guimarães sempre
esteve associada ao PMDB.
O PMDB continua um partido de
peso suficiente para ajudar muito ou atrapalhar muito. O partido ocupa um espaço
importante, mesmo mantendo um certo distanciamento e oscilando entre apoio e
oposição.É também o partido que garante a
governabilidade.
Os seus caciques sabem disso e
mantém os olhos bem abertos nas possíveis oportunidades o que o torna um partido
claramente oportunista. Logo abaixo trechos da entrevista do ex-senador Jarbas
Vasconcelos (Veja 18/02/2009, no 2.100
)
“Eu entrei no MDB para combater a ditadura, o partido
era o conduto de todo o inconformismo nacional. Quando surgiu o
pluripartidarismo, o MDB foi perdendo a sua grandeza. Hoje, o PMDB é um partido
sem bandeiras , sem propostas, sem um norte.É uma confederação de líderes
regionais ,cada um com seu interesse , sendo que mais de 90% deles praticam o
clientelismo, de olho principalmente nos cargos”.
“A maioria dos peemedebistas se especializou nessas
coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações,
contratações dirigidas, corrupção em geral. A corrupção está impregnada
em todos os partidos. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção”.
“De 1994 para cá, o partido resolveu adotar a
estratégia pragmática de usufruir dos governos sem vencer eleição. Daqui a dois
anos o PMDB será ocupante do Palácio do Planalto, com José Serra ou com a Dilma
Rousseff. Não terá aquele gabinete presidencial pomposo no 3° andar, mas terá
vários gabinetes ao lado”.
E de fato foi o que aconteceu, o PMDB continua ileso,
firme e forte na esfera do poder. Este é sem dúvidas um clássico exemplo do uso
das leis do poder. O partido recebeu muitos filiados, muitos deles sem um real
compromisso com o passado partidário e que estes novos membros (políticos
eleitos) talvez estejam mais interessados em obter vantagens pessoais
proporcionadas pelo poder.
As velhas práticas
ainda funcionam e acredito que sempre continuarão a funcionar, já que as
articulações de bastidores e a busca desenfreada de perpetuação no poder é o que
motiva muitos dos seus integrantes, não todos, é bem verdade, mas uma grande
maioria.A idéia de participar conscientemente destes jogos, não importa se de
forma direta ou não é que o torna o maior partido brasileiro e sem dúvida o mais
poderoso porque traça os seus planos nos bastidores com bastante
estratégia.
Nada na esfera política está escrita em pedra. Assim como
também no poder. E muitas vezes faz com que a desonestidade declarada de
determinados homens públicos passem a ser inclusive admirada.
“A política não é para os fracos”. Senador Fernando
Collor
A vida política está repleta de desafios diários e
usualmente aqueles que entram para a vida pública estão dispostos a vitória,
ninguém faz política para participar, se faz política para vencer
eleições.
Na esfera do poder, o seu objetivo é ter um certo grau
de controle sobre os acontecimentos futuros.Para saber o que se deve fazer , é
muitas vezes necessário prever o que o adversário pretende.A informação é
fundamental para o poder.
"Governantes enxergam através de espiões, as vacas
através do cheiro,os brâmanes através das escrituras e o resto do povo vê com
seus olhos normais”.Kautilya,filósofo indiano,século 3ª.C
E foi a inquietude despertada em mim depois de reler a
impressionante entrevista do senador Jarbas Vasconcelos que decidi ouvir
outras opiniões sobre o poder. Será que para se chegar ao poder é preciso
enveredar pelo caminho da corrupção? Decidi saber o que pensam aqueles que têm
poder. Convidei para participar do meu artigo o ex-senador Artur
Virgílio.
E estas foram as respostas que recebi do ex-senador Artur
Virgílio e atual candidato a prefeitura de Manaus(PSDB-AM).
LL- Qual é a definição de Estado para o
senhor?
AV - Estado, na minha
compreensão, é a entidade acima dos governos, que rege e aponta os rumos e
destinos de uma sociedade. É o conjunto de instituições que ordenam as relações
entre nacionais e com o exterior. Logo, há vários Estados e, a depender da
característica de cada um, poder-se-á medir o grau de influência da sociedade
sobre as decisões que lhe afetam a vida, e, portanto, o nível de liberdade e das
garantias nas mãos dos indivíduos que a compõem.
Temos, então, o Estado de Direito, que se marca por ordem jurídica à qual devem submeter-se governantes, legisladores e governados. Assim, como temos o Estado totalitário, que se põe acima dos cidadãos e da cidadania e representa os anseios e a força de um grupo de pessoas, que gerenciam a sociedade impondo-lhe limitações que não foram com ela consensualizadas.
Todo Estado dispõe de aparato
coercitivo que é empregado em defesa de direitos estabelecidos no interior da
ordem jurídica democrático-burguesa ou como máquina de sustentação de ditaduras
militares ou civis, laicas ou religiosas, pró-capitalismo ou anticapitalistas.
No Estado de Direito, é mais nítida sua separação da noção de Governo e, por
igual, é mais clara a separação de Governo e propriedade do que no Estado que
paire acima de ordem jurídica que lhe limite o poder, que restrinja o exercício
do poder a regras amplamente discutidas e aceitas no seio da
sociedade.
Os direitos fundamentais
representam o anteparo dos cidadãos diante do Estado. Se tais direitos não são
reconhecidos, o quadro que se desenha é o da supressão de liberdades públicas,
sociais e individuais. Os direitos essenciais possibilitam os direitos sociais,
que são a marca da sociedade no interior do Estado de Direito, que o é,
precisamente, pelo contrato que lhe define fronteiras que o poder absoluto
desconhece.
O Estado concebido por Karl Marx
parte da premissa de que a ele cabe arbitrar as lutas de classes sociais,
estabelecendo a ditadura do proletariado que, a partir do instante em que se
fizesse classe única, abriria espaço para a sociedade igualitária, e a tal ponto
democrática, que redundaria na extinção da própria figura do Estado.
O Estado democrático-burguês
busca a conciliação entre as classes sociais e não se prevê extinto em futuro
qualquer, embora caibam a seu respeito debates intensos sobre suas funções, seu
tamanho, sua abrangência. O primeiro nega o capitalismo e prega a transição
socialista rumo ao comunismo sem Estado. O segundo vem reformando o sistema
capitalista de produção de modo a mantê-lo capaz de gerar riquezas e bem estar
social capazes de reproduzi-lo enquanto modelo tempos afora, desmentindo as
previsões marxistas de que as crises cíclicas que afetam sua economia levariam
inexoravelmente à ditadura do proletariado.
Na realidade que visualizo, os
governos passam e o Estado fica. No Brasil, por exemplo, as agências reguladoras
não deveriam ser instrumentalizadas por governos e partidos políticos, porque
foram idealizadas, a um tempo, como instrumentos de Estado e de defesa dos
consumidores. A mistura entre Governo e Estado, nesse episódio específico,
revela um certo viés autoritário e abre caminho para atitudes eticamente
questionáveis, prejudiciais à sociedade que, pelo contrato estabelecido por
mecanismos eleitorais e jurídicos, é prejudicada ao invés de
defendida.
LL- E de Poder?
AV - Poder, para Gumplowicz está “na posse dos
meios de satisfazer as necessidades humanas e na possibilidade de dispor
livremente de tais meios”. E, indubitavelmente, é a capacidade que um indivíduo
ou um grupo de indivíduos têm, em determinado momento da História de uma
sociedade, de influenciar e determinar os destinos de outros
indivíduos.
Se a parte governada concordou
com o estabelecimento das regras que deram poder ao grupo dirigente, dir-se-á
que o Poder está sendo exercido consensual e democraticamente. Se a parte
governada não participou da elaboração das regras de convivência, tal situação
poderá ser definida como autoritária ou ditatorial.
Há os poderes constituídos e
harmônicos entre eles, funcionando interdependentemente. Caso das democracias
mais sólidas de corte ocidental. E há o poder absoluto, ainda que emoldurado por
instituições que mais existem para obter legitimação da comunidade internacional
e que funcionam apenas para referendar as decisões vindas do grupo
dominante.
E existem os poderes informais,
como os que detêm os bancos, as grandes corporações empresariais, os sindicatos,
o terceiro setor e, inegavelmente, a imprensa. A forma de os governos lidarem
com eles servirá de referência para se calcular o nível de democracia reinante
numa sociedade, o grau de garantia e respeito aos direitos fundamentais, o
amadurecimento institucional do Estado. Já nos regimes autocráticos a capacidade
de decidir está nas mãos de quem chegou ao comando pela via insurrecional ou
mesmo pelo caminho eleitoral que, depois, seria solapado pelo governante
inconformado com limites impostos ao seu exercício de
poder.
Dentro do poder formal, existem
subdivisões, como, por exemplo, o poder de polícia, a ser empregado supostamente
em defesa da sociedade, contra indivíduos ou organizações que quebrem as regras
do contrato consensualizado. Ou, dentre outros, o poder militar que, não raro, é
exercido contra outras sociedades, a exemplo da atitude ofensiva dos Estados
Unidos relativamente ao Iraque, podendo ser também manifestação de força
defensiva como fizeram os vietcongs e o Vietnã do Norte, diante da mesma
potência norte-americana.
Mas poder é muito mais, se
partirmos para o micro. O do patrão sobre seus empregados. O dos empregados
associados na reivindicação de melhores condições de trabalho. O do professor
sobre os alunos. Dos pais sobre os filhos. Do policial sobre o prisioneiro.
Absurdamente, o do traficante Fernandinho Beira Mar sobre os carcereiros que
suborna, ameaça e/ou chantageia.
Quando persuado, sou aberto.
Quando ameaço, exerço o poder de coerção que posso confirmar como real ou não,
na hipótese de tal ameaça ser posta à prova.
Para Weber, poder legal é o que
nasce da lei e do ordenamento jurídico que rege uma sociedade; poder tradicional
é o que se origina no costume de o servidor seguir as determinações de um
comando, estabelecido há tempos perdidos, e poder carismático é o que se baseia
na força pessoal do líder capaz de bem manejar o discurso e se articular
eficazmente para conseguir e ampliar influência sobre a
sociedade.
LL - Em sua opinião ambos estão relacionados, ou um
pode existir sem o outro?
AV - Se falarmos de
política, verificaremos, sim, que Poder e Estado se relacionam fortemente. Nas
respostas anteriores, porém, procurei dar exemplos de formas de poder que não
estabelecem, necessariamente, essa conexão. Citei, com ironia amarga, a força de
um traficante preso em regime que, teoricamente, é de segurança máxima, e dá
ordens à hierarquia do sistema carcerário. Nesse caso, sobra poder e falta
Estado. Mas independente do Estado, novamente cito o poder de pais sobre filhos,
embora conheçamos regimes políticos fechados em que as relações familiares
sofrem influência clara do Estado.
Resumindo: em Política, Poder e
Estado se misturam e confundem, sim.
LL - Como o senhor vê a disputa pelo poder dentro
de uma democracia? Há mais "verdade" na disputa? Ou tanto faz quanto ao tipo de
regime?
AV - Há mais verdade na disputa de poder numa
democracia que, obviamente, numa ditadura. Winston Churchill já decretara: a
democracia é cheia de defeitos, porém seus defeitos são menores e menos
numerosos que os defeitos de ditaduras de qualquer corte ideológico. E quanto
mais amadurecida for a democracia, mais probabilidade haverá de as regras de
disputa serem mais transparentes e legítimas.
LL - No jogo do poder "os fins justificam os
meios"?
AV- É comum que lideranças
políticas busquem legitimar alguns – ou muitos – de seus atos e gestos à base de
“fins que justificam os meios”. Nem me vou referir a regimes políticos definidos
como fechados. Ficarei naqueles que, então, seriam os abertos: são freqüentes as
concessões colocadas no “altar” da luta para chegar ao poder ou para mantê-lo.
Dou exemplo bem prosaico: o candidato a Presidente da República José Serra se
comprometeu com elevar o salário mínimo para R$600,00. Se tivesse sido vencedor
do prélio, estaria na obrigação de demonstrar a factibilidade de tomar essa
atitude sem agravar o quadro fiscal do país, já bastante deteriorado, que o
ex-presidente Lula da Silva legou a quem o sucedesse no cargo. Mas venceu Dilma
Rousseff que, junto com Lula, para responder à promessa de Serra, assumira
compromisso, junto às Centrais Sindicais, que se não igualava a proposta do
adversário, era superior aos R$ 545,00 aparentemente inarredáveis de hoje.
Em jogo estava o poder. Dilma
Rousseff agora preside o Brasil e não se dispõe a honrar o compromisso com as
Centrais que deram inequívoco apoio eleitoral. Não se dispõe por não poder ou
não querer. Mas podia, na fase de campanha, prometer e não hesitou em fazer
isso. Agora, com o poder em mãos, certamente supõe que tem quatro anos para
refazer os laços, que parecem trincados, com os aliados sindicais. Raciocínio
básico: primeiro chega ao poder, faz um bom trabalho e depois conserta as
coisas. Mais ou menos isso.
LL- A disputa pelo poder está mais justa hoje do
que em outras épocas, sobretudo no Brasil?
AV - Sem dúvida que sim. Sobretudo se nos lembrarmos dos métodos da República Velha e as “degolas” de Pinheiro Machado, que depurava da lista dos que iriam tomar posse os eleitos que não eram do seu agrado. Ou os anos da ditadura militar que até senadores “biônicos” inventou, no afã de impedir que o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que vinha de ampla vitória para o Senado na renovação de um terço dessa Casa, em 1974, repetisse a dose em 1978, quando dois terços estariam em jogo, e se tornasse maioria pelo voto popular. Das vagas a serem preenchidas, a ditadura estabeleceu que metade seria de indicação do comando dito “revolucionário” e, com isso, mesmo perdendo no terço restante, garantiu maioria na Câmara Alta.
A prática democrática do voto
ensinará cada vez mais a se votar com consciência. Não se negue, porém, que
regiões como o Norte e o Nordeste ainda são terrenos férteis para que
oligarquias corruptas prosperem e, com elas, práticas como as fraudes
eleitorais, que distorcem a vontade popular.
LL - Em sua opinião o Sistema Eleitoral Brasileiro
proporciona igualdade na disputa pelo poder? Ou ainda há as velhas
práticas?
AV - O sistema eleitoral
brasileiro é antiquado diante de uma economia que se modernizou bastante nos
últimos 17 anos, a partir de significativas reformas estruturais e da
fundamental conquista da estabilidade econômica.
Persistem os partidos nanicos, de
aluguel ou não, todos sem efetiva representatividade popular. Regras
esclerosadas levam Tiriricas para o Parlamento e, pior que isso, escudados na
votação de tipos caricatamente populares desse jaez, figuras de duvidosa
reputação, recheadas de processos graves na Justiça, pegam suave carona e, com
poucos votos igualmente conservam ou recuperam suas cadeiras legislativas. O
abuso de poder político e econômico é fato inegável, embora os tribunais cada
vez mais jurisprudenciem por coibir o abuso e prestigiar a austeridade.
O Brasil necessita de urgente e
completa Reforma Política, abandonando a prática nefanda de legislações
provisórias, que só valem para uma ou duas eleições. E o que dificulta a medida
saneadora? Ora, as forças políticas que sobrevivem nas trevas da balbúrdia
atual.
LL - Com a atual legislatura (Câmara Alta e Câmara
Baixa) o povo brasileiro está bem representado?
AV- Foi o povo a eleger
quem o representa hoje. O Parlamento brasileiro corresponde ao estágio de
compreensão política da nossa sociedade, tomada como um todo. Se a representação
é deficiente – e acho que é – isso certamente se deve à democracia ainda jovem
que vivemos. O tempo, certamente, corrigirá muitos dos defeitos da representação
atual.
LL- Na sua opinião quem comanda o Brasil? É o José
Dirceu, como muitos dizem?
AV- O ex-ministro José
Dirceu continua influente no governo Rousseff, como era no período Lula, um
tanto porque lidera, ainda, uma parcela do Partido dos Trabalhadores, e outro
tanto porque domina graves segredos de episódios que viu ou protagonizou
enquanto Ministro-Chefe da Casa Civil da Presidência da República. Mas, em meu
entender, quem comanda o Brasil é o tripé Dilma Rousseff, Antônio Palocci e Lula
da Silva. Isso hoje, porque, mais adiante, a tendência será a perda de espaço de
Lula e a concentração de mais poderes nas mãos de Dilma, a quem correligionários
e aliados prestarão crescentes reverências. A menos que sua administração entre
em crise de avaliação popular e a sombra de Lula dela faça mera
Presidenta-tampão.
LL- Como é a experiência de ter poder? Me refiro a
experiência pessoal.
AV - Fui deputado federal
de oposição ainda sob o regime ditatorial. Tinha certa influência no Congresso e
fora dele, mas não poder real.
Governei Manaus durante quatro
anos. Manaus é uma cidade-estado, na realidade macrocefálica do Amazonas. Nesse
período, detive bastante poder, sim.
Retornei à Câmara em 1995. Meu
partido elegera o Presidente da República. Fui vice-líder influente na bancada
(1995) e Secretário-Geral do PSDB e sobretudo este posto me conferia certo grau
de poder no Governo Federal.
Reelegi-me em 1998 e, em 1999,
tornei-me líder do governo Fernando Henrique. Em 2001, fui nomeado
Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República. Em abril de
2002, desincompatibilizei-me do Ministério para disputar o Senado Federal. Como
líder, era, de fato, significativa a influência que exercia sobre o Governo.
Como Ministro de pasta tão estratégica, posso dizer que experimentei momento de
poder verdadeiro e abrangente, porque sobre outros Ministérios e sobre assuntos
de grande relevância nacional.
Como Prefeito de Manaus, o poder
pessoal era maior, dentro de uma realidade de alcance menor. Como Ministro-Chefe
da Secretaria-Geral da Presidência, o poder pessoal era menor, porque servia a
um Presidente e era a sua voz política, porém o alcance era
nacional.
LL - Quais foram e por que, os maiores e melhores
políticos brasileiros de todos os tempos?O senhor teria uma lista, ou apenas
contaria nos dedos?
AV- Não tenho dedos
suficientes para abranger os nomes dos políticos brasileiros que reputo grande.
Começo pelos Presidentes da República que promoveram mudanças de fundo no País:
Campos Salles; Rodrigues Alves; Getúlio Vargas, apesar da nódoa em sua biografia
que é o Estado Novo; JK; Itamar Franco, que deu carta branca a Fernando Henrique
para gestar o Plano Real e o próprio Fernando Henrique, pelo fim da inflação com
a conquista da estabilidade e as reformas estruturais que
promoveu.
Embora tenha optado pela
popularidade e não por investir esse apreço popular em mais reformas (muitas
delas amargas) que teriam preparado o Brasil para salto definitivo rumo ao
desenvolvimento pleno; reconheço em Lula um político de extrema argúcia e um
Presidente que, felizmente, soube negar seu próprio discurso econômico e manter
o básico das políticas econômicas que herdou.
Aí vão figuras notáveis: Carlos
Lacerda, Afonso Arinos, Santiago Dantas, Hermes Lima, Almino Affonso, Arthur
Virgílio Filho ( meu pai), Paulo Brossard, Jarbas Passarinho, Daniel Krieger,
Aliomar Baleeiro, Adauto Cardoso, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Darcy
Ribeiro.
Duas figuras à parte, que
simbolizaram a luta pela redemocratização: Ulysses Guimarães e Tancredo de
Almeida Neves.
Antes de todos esses: Pedro I,
Pedro II, José Bonifácio, Joaquim Nabuco, Rio Branco.
Certamente deixei de citar
figuras imprescindíveis à vida brasileira nas épocas em que exercitaram suas
capacidades de influir sobre os destinos de nossa sociedade. E do presente, não
menciono ninguém, porque, embora reconheça valor em diversas pessoas públicas,
considero adequado falar de quem já fez e já foi, de biografias completas e
acabadas. Quem ainda é ou faz, pode, quem sabe, desdizer a biografia correta que
está construindo e, assim, opto por falar amparado no distanciamento
temporal.
LL - Dentro do partido do senhor, há muito cacique
para pouco índio, como diz a imprensa?
AV - Se você traduz índio
por eleitor, não é tão pouco assim, porque vencemos duas eleições presidenciais
em primeiro turno e perdemos três em segundo turno, no ballotage, uma vez com
Geraldo Alckmin e duas com José Serra, a mais recente com 43 milhões de
votos.
Se você traduz caciques por
líderes e índios por liderados, talvez eu até me ponha de acordo com o
raciocínio. Seria o PSDB um partido mais democrático, por exemplo, do que o PT,
onde Lula manda e desmanda, sem contraste de quem quer que seja?
O PSDB vive momento difícil. É
partido-pólo, que enfrenta sistematicamente outro partido-pólo, que é o PT. Não
é satélite, não gravita em torno de nenhuma força política maior. Quando ganha
uma eleição, governa; quando perde, fiscaliza, faz oposição. Isso num país onde
o adesismo é quase lugar comum. O PMDB, por exemplo, deu a Vice-Presidente da
chapa de Serra, em 2002. Perdeu conosco. Fomos para a oposição e ele para o
governo Lula.
Vejo um processo claro de disputa
interna de poder, com vistas a uma eleição presidencial (2014) que se não nos
pegar unidos, certamente nos poderá castigar com nova derrota. O PT está
protegido pelo conforto de ter sido poder por oito anos e ter garantido mais
quatro. Mas mergulha de cabeça na disputa fisiológica, por cargos, com seus
“aliados”, especialmente o PMDB. Isso, óbvio, lhe desmente de novo, e ainda
mais, o passado de condenação a essas práticas velhas como Matusalém e nocivas
como esse Patriarca não deve ter sido. Exemplo disso é o strip-tease público em
torno do comando de Furnas, estatal tão bilionária quanto de tradição
escandalosa.