Com um débito de 298 milhões de reais, a Youssef Câmbio e Turismo, do doleiro Alberto Youssef, pivô da Operação Lava Jato, que investiga denúncias de corrupção em contratos com a Petrobras, está na lista das 500 maiores devedoras da União. O nome dos endividados foi divulgado pelo Ministério da Fazenda no último dia 13 e não tem Youssef como representante solitário de sua categoria: além de grandes empresas, como Vale (maior devedora), Petrobras (3ª) e Bradesco (7ª), a relação tem 24 pessoas físicas, boa parte delas doleiros investigados em operações da Polícia Federal, segundo levantamento feito pelo site de VEJA.
As 24 pessoas físicas inscritas na dívida ativa da União têm, somadas, débito de 14,4 bilhões de reais. O montante corresponde a 4% do total devido na relação dos 500 maiores devedores, que têm pendurados 392 bilhões de reais. Identificar e localizar todas as pessoas físicas da lista não tem sido tarefa das mais fáceis tanto para a Justiça quanto para o Ministério da Fazenda. A movimentação de alguns dos processos de cobrança chega a informar que os devedores jamais foram encontrados, mesmo com buscas que chegam a ser de mais de uma década. Das 24 pessoas físicas, o site de VEJA identificou ao menos sete nomes de doleiros que já tiveram problemas com a PF.
A lista de doleiros que têm problemas com a Justiça e integram o grupo dos maiores devedores do país tem nomes como Gabriel Lewi Seszez e Clemente Dana, alvos da Operação Sexta-Feira 13, deflagrada pela PF em 2009. Cada um deles tem um débito de nada menos que 1,7 bilhão de reais. O valor é maior, por exemplo, que o devido pelo Banco Econômico, que quebrou em 1996 e está em processo de liquidação.
Gabriel Seszes, o maior devedor entre as pessoas físicas (e o 33º entre todos os nomes), está desaparecido. Um processo que corre contra ele na 4ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro foi suspenso no dia 29 de junho deste ano. Motivo: a Justiça não conseguiu encontrá-lo e incluiu seu nome no Sistema Nacional de Procurados e Impedidos (Sinpi). Em outro processo que tramita na mesma Vara, Clemente Dana está sem defensor. A sua antiga advogada era ninguém menos que Beatriz Lessa Catta Preta, a defensora de célebres delatores da Operação Lava Jato, como Paulo Roberto Costa, Augusto Mendonça, Pedro Barusco e Julio Camargo. Alegando ter sido ameaçada por integrantes da CPI da Petrobras, Catta Preta abandonou os seus clientes e a sua carreira de advogada em julho.
Dana e Seszes respondem por crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro e já chegaram a ter mandado de prisão expedido contra eles. Nas investigações da PF, a dupla é apontada como operadora da subconta Midler Corp SA, mantida pela empresa Beacon Hill no banco JP Morgan, em Nova York, nos Estados Unidos. Aliás, Beacon Hill (Colina do Farol) é o nome traduzido para o inglês de outra célebre operação, a Farol da Colina, que levou mais de 50 doleiros e empresários para trás das grades e chegou a identificar uma movimentação de mais de 24 bilhões de dólares, entre 1999 e 2002, segundo estimativas da PF.
Em junho, a defesa de Dana, ainda conduzida por Catta Preta, tentou cancelar seu interrogatório sob o argumento de que a "idade avançada do réu" (75 anos) e sua "atual condição financeira" o impossibilitariam de ir até uma sessão no Rio de Janeiro - pelo que consta, ele mora em São Paulo. A juíza Juliana Calado indeferiu o pedido, justificando que a "alegação da idade não é suficiente" para evitar o depoimento por não haver "comprovação de problemas de saúde".
A magistrada também rechaçou a alegação da advogada de que o doleiro não teria posses para viajar ao Rio. "O fato de o réu ter realizado mudança da residência de Buenos Aires para São Paulo leva a crer que ele possua capacidade mínima para custear uma viagem entre estados vizinhos da mesma federação". No último despacho, de 8 de setembro, a juíza dá um prazo de 48 horas para o réu constituir um novo advogado, "ficando ciente de que, decorrido o prazo sem manifestação, passará a ser assistido pela Defensoria Pública da União". Durante dez dias, o site de VEJA tentou localizar a defesa de Seszez e Dana, sem sucesso.
Estrangeiros na lista - Entre os estrangeiros inscritos na lista aparecem dois doleiros uruguaios: Najun Azario Flato Turner, com uma dívida superior a 266 milhões de reais, e Walter Omar Lassere Limardo, devedor de quase 900 milhões de reais. Najun coleciona escândalos. Entre outros casos, teve seu nome envolvido na Operação Anaconda, que revelou um esquema de venda de sentenças judiciais, e na Operação Uruguai, na qual foi investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) ao lado do ex-presidente e atual senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL). Após ser condenado a dez anos de reclusão pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TFR-3), foi preso em março de 2005 pela Polícia Federal por crimes contra o sistema financeiro.
Um dos advogados de Najun, Carlos Chammas Filho, informou que a sexta turma do Superior Tribunal da Justiça (STJ), em decisão de 2 de agosto de 2007, reduziu a pena de Najun para três anos e três meses, do regime fechado para o semiaberto. Um ano depois, após um pedido de habeas corpus, Najun conseguiu a anulação de outro processo, na Justiça do Rio Grande do Sul, e foi posto em liberdade. Em outro processo que corre no TRF-3, o doleiro responde por crimes contra a ordem tributária. Sobre o valor devido à Receita, Chammas Filho diz que o valor se refere mais a multas do que impostos devidos. "São multas com base na omissão de valores informados à Receita, e não a impostos propriamente", diz.
Najun era dono de uma casa de câmbio e operava como pessoa física no sistema financeiro, aplicando recursos de terceiros em operações com dólares, ouro e na bolsa de valores. Segundo o Ministério Público Federal, uma das corretoras de valores usados por Turner era a Split, envolvida posteriormente no que ficou conhecido como escândalo dos precatórios.
Curiosamente, Najun é autor do livro Bolsa sem Stress, da Editora Baraúna. "Este trabalho, realizado pelo autor de forma modesta, toma como base a experiência no mercado, como investidor e especulador, muitas vezes com ousadia, incertezas, emoções e riscos, mas sempre nos limites da ética, da moral e do bom costume, que foi a maior herança que recebeu de seus pais", diz a sinopse da obra, exibida pelo site da editora.
Já Walter Limardo teve seu nome envolvido na Operação Anaconda. Segundo autos do Ministério Público, Limardo foi processado por supressão ou redução de tributo mediante omissão de informações em Declaração de Rendimentos de Imposto Sobre a Renda de Pessoa Física, nos anos de 2002 e 2003.
Entre as alegadas irregularidades, ele havia deixado de declarar e de comprovar a origem de recursos mantidos em conta no exterior, além de apresentar um aumento de patrimônio incompatível com seus rendimentos declarados. Seus empreendimentos no Uruguai incluem as off-shores Ibatur, Najayo e Radeline Financ. O processo que o acusa de crimes contra o sistema financeiro nacional foi finalizado este ano e Limardo acabou sendo absolvido.
Dinheiro difícil de cobrar - Com a divulgação da lista, o governo tenta levantar recursos para compensar a fraca arrecadação e a "frustração de receitas", conforme definiu o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Apesar de os dados já estarem disponíveis desde 2012, essa foi a a primeira vez que a lista foi divulgada pela Fazenda. O intuito é criar um certo constrangimento na opinião pública e acelerar o pagamento dos débitos.
"É para cobrar indiretamente, tentando estimular quem tem débitos a regularizar a sua situação. Acaba auxiliando na recuperação da arrecação", afirmou ao site de VEJA o diretor de gestão da dívida ativa da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Luiz Roberto Beggiora. Apesar dos esforços da Fazenda, o caminho para resgatar o dinheiro dos 500 maiores devedores é bastante longo e pedregoso. A taxa média de recuperação da dívida ativa é de apenas 1,5%. A dificuldade maior se dá em processos envolvendo empresas falidas - a Carital (ex-Parlamat) e a Vasp estão na lista, por exemplo - e estrangeiros.
Segundo a Fazenda, 92% dos créditos inscritos na dívida ativa são tributos. Outros 8% correspondem a multas não pagas. Os processos podem se arrastar por até sete anos, "dependendo da sua complexidade", diz Beggiora. Primeiro, o inadimplente é informado. Se ele não dá nenhum retorno, tenta-se uma "execução fiscal" por meio da Justiça. "Além dos doleiros, também há laranjas, gente que perde um documento e depois descobre ser dona de uma empresa devedora. São lançamentos feitos a partir da movimentação financeira, que entram no radar da Receita", diz o procurador da Fazenda.
'Traficante de dólares' - Alberto Youssef é, possivelmente o doleiro mais conhecido da lista da Fazenda - embora, frise-se, o nome que aparece é o de sua corretora, e não o dele -, mas outros de seus colegas de metiê já tiveram seus momentos de fama. Com uma dívida de 251,4 milhões de reais, o corretor José Mario Tieppo é considerado um dos maiores sonegadores e golpistas da história do país. Seu caso foi descoberto pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), em plena ditadura militar, em 1981, em uma época em que doleiro ainda era chamado de "traficante de dólares".
Diretor de tênis do tradicional Clube Paulistano, Tieppo tinha trânsito livre entre membros da elite paulistana, os principais alvos de sua maracutaia. Com o prestígio que tinha nas altas rodas, convencia suas vítimas - políticos, industriais, empresários, especuladores e endinheirados em geral - a lhe "emprestarem" dinheiro para aplicar na Bolsa de Nova York, tudo por debaixo dos panos. Tieppo oferecia a eles uma tentadora rentabilidade de 25%, e como garantia entregava um recibo frio, que não tinha nenhum valor legal. Ele enviava as somas para a conta "Samanta" no banco Morgan, em Nova York.
Após a descoberta do escândalo, o dinheiro da conta simplesmente sumiu. Segundo os cálculos do então diretor do Dops, o falecido senador Romeu Tuma, responsável pelo caso, o corretor lesou dezenas de pessoas em somas que chegam a 60 milhões de dólares. Obviamente, seus clientes não apareceram para denunciá-lo - ninguém iria admitir que escondeu dinheiro do Fisco, transferindo-o para o exterior. Tieppo chegou a passar dez dias preso no Dops e três na Casa de Detenção. Foi condenado por apropriação indébita e formação de quadrilha e passou um bom tempo foragido.
O doleiro era dono da Tieppo SA Corretora de Câmbio e Títulos, que faliu logo após o estouro do caso. Um processo para reaver os bens da companhia falida corre atualmente no Tribunal de Justiça de São Paulo no nome de uma parente do corretor, Maria Raquel Maia Tieppo. Um dos advogados que defende os credores, Osvaldo Jesus Pacheco, conta que Tieppo morreu há cerca de três anos e que dez imóveis estão para ser vendidos. "Trata-se de um processo falimentar. O primeiro que se paga é a Fazenda pública e depois se faz um rateio entre os credores", diz Pacheco, sem fazer projeção de quando o processo será encerrado.
Dinheiro 'embranquecido' - Cristiana Marini Rodrigues da Cunha Brito é também uma das doleiras na lista de grandes devedores da União, com um débito de 985,5 milhões de reais. Ela foi denunciada pelo Ministério Público Federal do Paraná, em dezembro de 2005, após a deflagração da Operação Zero Absoluto. A ação foi conduzida pela chamada Força Tarefa Banestado, que fez uma devassa em mais de 1 170 contas fora do país, denunciou 684 pessoas e conseguiu a condenação de 97.
O esquema consistia em transferir para o exterior dinheiro ilícito, oriundo de corrupção ou de tráfico de drogas, por meio de contas criadas legalmente no Banco do Estado do Paraná (Banestado). De lá, as somas eram enviadas para contas em bancos estrangeiros e depois retornavam ao Brasil já "embranquecidas", outro nome dado à prática de lavagem de dinheiro. Segundo apurações da PF, junto com os doleiros Venâncio Pereira e Marcelo Bismarcker, Cristiana mantinha três dessas contas em Nova York, chamadas de Milano, Pelican e Florida. O trio era sócio da casa de câmbio Diskline, que tinha unidades em São Paulo e no Rio de Janeiro. De acordo com a denúncia, a empresa de fachada era usada para "evadir, manter no exterior e lavar milhões de dólares em divisas".
Em abril de 2010, Cristiana envolveu-se em outro caso polêmico. Aceitou colaborar com investigações do Ministério Público e, em depoimento, arrastou a Igreja Universal do Reino de Deus para as investigações de um esquema milionário de remessas ilícitas para paraísos fiscais. Ela contou ter enviado quase 400 milhões de reais da igreja para fora, entre 1995 e 2001. As declarações renderam ao líder da instituição religiosa, o bispo Edir Macedo, uma denúncia movida pelo MPF-SP por estelionato, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. O bispo negou as acusações.
Os relatos dos delatores - além de Cristiana, Venâncio e Marcelo - traziam detalhes incômodos para a entidade religiosa. Segundo os depoimentos, as notas de dinheiro vinham das doações dos fieis "amassadas, rasgadas, coladas com durex, suadas e rabiscadas". Elas eram contadas e conferidas por um pastor, e as somas eram transferidas "por seguranças armados da igreja" a cofres alugados em agências de banco vizinhas às casa de câmbio.
Em sentença proferida no dia 15 de agosto de 2012, os três doleiros, incluindo Cristiana, foram condenados na Justiça Federal de São Paulo por crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. A punição foi de um ano e oito meses de prisão. Logo depois, no entanto, os crimes prescreveram, a pena foi extinta e os seus bens desbloqueados. Procurado, o advogado de Cristiana não se manifestou sobre o assunto.
Aperto na execução - Um dia depois da divulgação dos 500 maiores devedores, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse ser preciso atualizar a Lei de Execução Fiscal, de 1980, para agilizar as cobranças. Em março deste ano, ele se reuniu brevemente com o ministro do STF Ricardo Lewandowski para discutir o tema. "As ações podem ter uma execução mais acelerada antes de chegar na Justiça", disse Levy na ocasião. Ele também ressaltou a necessidade de se fazer uma conexão online com os cartórios para "permitir identificar os contribuintes, patrimônio, de uma maneira muito mais ágil para que a execução fiscal ganhe em efetividade, velocidade e segurança".
Atualmente, 120 procuradores trabalham no país para identificar e autuar os devedores. Como parte da estratégia do governo de intensificar os trabalhos da área, os procuradores da Fazenda recebem treinamento para manusear softwares que cruzam dados dos contribuintes. Desde o ano passado, eles atuam em parceria com o Ministério da Justiça e o Ministério Público Federal.
A atualização da Lei de Execução Fiscal poderia mudar a relação da União com o doleiro Aguinaldo Castueira, que tem uma dívida de 242 milhões de reais. Ele foi citado na Operação Farol da Colina e chegou a ter prisão temporária decretada em 2004, mas foi liberado mais tarde com um pedido de habeas corpus. Castueira aparecia como dono de uma das empresas pivô do escândalo: a Lara Enterprises, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, mas que apresentou à Justiça de Nova York um endereço em São Paulo. O processo movido pela Justiça contra ele por lavagem de dinheiro prescreveu, e ele não pode mais ser punido pelo caso.
A Operação Farol da Colina teve como alvo principal a empresa Beacon Hill, que lavava dinheiro de remessas feitas do Brasil, apuradas pela CPI do Banestado. Com uma das maiores contas da empresa, a Lara Enterprises era usada para intermediar pagamentos em paraísos fiscais. Procurado pela reportagem, um dos advogados de Castueira, Alberto Toron, não respondeu ao pedido de entrevista.
Procurados, os advogados do doleiro Alberto Youssef também não quiseram se pronunciar sobre o assunto.
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